terça-feira, 15 de junho de 2010

PT contraiu vícios da política nacional (Editorial)

Deu em O Globo

Já é parte da História o momento em que dois líderes da frente de resistência à ditadura militar decidiram seguir caminhos diferentes, tão logo o país tomou o rumo da redemocratização. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o sociólogo renomado e o metalúrgico forjado no novo movimento sindical surgido no ABC paulista, divergiram sobre como continuar a luta política. Um optou por trajar um figurino mais ao estilo da social-democracia europeia, e o outro, continuar com o macacão do chão de fábrica e lançar um partido classista.

O PT, por essas caraterísticas, teria mesmo imensas dificuldades de chegar ao poder em Brasília. Constituído de algumas frações da esquerda, o partido caiu nas graças das faixas mais instruídas da população urbana — mesmo assim apenas nos grandes centros ---- e ficou distante das massas. Numa simplificação, era um partido de trabalhadores com poucos trabalhadores no seu eleitorado. Bem votado nos Jardins paulistanos e na Zona Sul carioca, o PT capturou cerca de 30% do eleitorado nacional, e parou de crescer.

Em objetiva entrevista ao GLOBO, publicada sábado, Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte, amigo da candidata Dilma Rousseff, e um dos coordenadores de sua campanha, explicou a metamorfose pelo qual o partido passou para conseguir chegar lá: “Não somos mais um partido que coloca a ideologia como uma máscara, como óculos escuros para não enxergar a realidade política”.

É o que Lula havia percebido ao ser derrotado pela terceira vez numa eleição presidencial — duas delas pelo antigo companheiro de trincheira. Antes fechado a alianças, o partido se abriu a elas, colocou na chapa de Lula um empresário, e assim quebrou a barreira dos 30% dos votos. Houve mesmo um amadurecimento do partido, ao deixar no passado a origem classista.

O problema criado na mudança foi quanto à ética. “Operamos com a realidade política do jeito que ela é, para melhorá-la, para transformá-la. Foi o que o presidente Lula fez nestes últimos oito anos”, disse Pimentel. Concorde-se com a primeira parte da declaração; quanto ao desejo do PT de transformar a realidade política, trata-se de um exagero.

Os tucanos, para governar, também se aliaram a forças à direita. O PT não inovou. A surpresa se deu pela forma até mesmo ávida com que altos escalões partidários se lançaram a práticas abomináveis e antigas da política brasileira: a fisiologia, o clientelismo e o patrimonialismo. Aliás, mazelas também presentes em segmentos do tucanato.

A cultura de antigos desvios se misturou a conceitos e cacoetes da esquerda, e o que se viu foi a ideia de que os fins justificam os meios por trás do escândalo do mensalão, quando dinheiro sujo, inclusive desviado de cofres públicos, foi usado para literalmente comprar apoios no Congresso (o “fim” justificado).

Na atual campanha, o centralismo democrático, tão praticado nos partidos comunistas tradicionais, é usado sem remorso no PT para enquadrar militantes em certos estados e forçá-los a apoiar conhecidas oligarquias regionais. É legítima, e até correta, a intenção do PT de ser o partido da nova classe média em fase de crescimento — como declarou Pimentel.

Todo partido que se preze não pode desconhecer o fenômeno. É de fato melhor para a democracia um PT não messiânico e disposto a negociar alianças. Mas, até agora, ele em nada contribuiu para modernizar a política brasileira. Pelo contrário, contraiu seus vícios.

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