sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A Era Lula

Coluna Ivo Theiss
Luiz Inácio Lula da Silva deixa Brasília com 83,4% de avaliação positiva. Considerando-se seu “desempenho pessoal”, o índice chega a 87%. Lembrando: FHC encerrou seu duplo mandato, em 2002, com apenas 26% de ótimo/bom. A popularidade de Lula é um caso inédito no Brasil. E, no mundo, poucos têm alcançado semelhante aprovação, como mostrou o Santa, quinta-feira.

É cedo para se identificar causas de tão inequívoca aprovação. Não é, com certeza, a percepção de que a economia vai bem. A economia até que não vai mal – embora a gestão tucano-pefelo-petista da política econômica, como no triste período FHC, continue a fazer a alegria dos bancos. O que se diz aqui é que a população, em geral, não pode ter discernimento suficiente para dizer que o governo Lula é ótimo/bom porque, com ele, a economia vem sendo bem administrada. Os colunistas de economia não o têm. Nem mesmo os economistas o têm. Como o “povo” pode tê-lo?

Mas, além de se ter que tomar distância no tempo para avaliá-lo, é preciso identificar a fração da sociedade beneficiada e/ou prejudicada pelo governo Lula. Por sua origem humilde, vir dos grotões, ter sido operário, militado em sindicato e fundado agremiação política de trabalhadores, seria óbvio que Lula, sensível às maiorias que em 2002 ainda viviam em condições precárias, orientasse seu governo em favor de suas demandas. Fê-lo, sim. Não se pode brigar com os fatos. No entanto, também, os interesses de frações privilegiadas da sociedade foram contemplados: como mostrei em novembro, os mais necessitados recebem, na forma de Bolsa Família, muitíssimo menos que o punhado de intermediários de títulos da dívida pública, a título de pagamento por juros/serviços.

A mim agradou a independência do Itamaraty e a aproximação do Brasil com América Latina e África; o fortalecimento da Polícia Federal e a autonomia da Controladoria Geral da União, que parecem ter contribuído para a melhora (ainda que tímida) do país, segundo a Transparency International, no combate à corrupção; e a pulverização das verbas publicitárias, que passou de 499 veículos no período FHC para 8.094.

Mais relevante: deixa para sua sucessora um governo em muito melhores condições que o que recebeu de seu antecessor e um país bem mais otimista que o que herdou oito anos atrás.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Sobre a imparcialidade do jornalista

26.8.2010 - 16h56m

Este é um dos mitos cultivados há mais de século: jornalista é imparcial. Ou tem obrigação de ser.

Ninguém é imparcial. Porque você é obrigado a fazer escolhas a todo instante. E ao fazer toma partido.

Quando destaco mais uma notícia do que outra faço uma escolha. Tomo partido.

Quando opino a respeito de qualquer coisa tomo partido.

Cobre-se do jornalista honestidade.

Não posso inventar nada. Não posso mentir. Não posso manipular fatos.

Mas posso errar - como qualquer um pode. E quando erro devo admitir o erro e me desculpar por ele.
Cobre-se do jornalista independência.

Não posso omitir informações ou subvertê-las para servir aos meus interesses ou a interesses alheios.

Se me limito a dar uma notícia devo ser objetivo. Cabe aos leitores tirarem suas próprias conclusões.

Se comento uma notícia ou analiso um fato, ofereço minhas próprias conclusões. Cabe aos leitores refletir a respeito, concordar, divergir ou se manter indiferente.

Jornalista é um incômodo. E é assim que deve ser. Se não for não é jornalista.

Uma profunda crise a superar

Vermelho 30 de dezembro de 2010 às 10:53h

Desde a crise de abastecimento da energia em 2001, fruto dos investimentos não realizados, a população, que administrou o desgoverno naquele período, passou a pagar o passado e o futuro dessa crise na própria conta do consumo mensal. No governo Lula, sob o comando de Dilma Rousseff, o nível dos investimentos foi retomado e foram superados os riscos de novos apagões, prevendo-se ainda uma ampliação contínua das fontes energéticas de origem hidrelétrica e das diversas fontes renováveis.

Jornalismo pra quem precisa

Leandro Fortes
30 de dezembro de 2010 às 11:43h

Há alguns dias, lancei na minha página do Facebook uma idéia que venho acalentando há tempos, desde que encerrei um curso de extensão para uma faculdade privada de jornalismo, aqui em Brasília. O curso, de Técnica Geral de Jornalismo, reuniu pouco mais de 10 alunos, basicamente, porque era muito caro. Embora tenha sido uma turma de bons estudantes, gente verdadeiramente animada e interessada no ofício, me senti desconectado da real intenção do curso, que era de fazer um contraponto de método, opinião e visão ideológica a esse jornalismo que aí vemos, montado em teses absurdas, em matérias incompletas e mentirosas, omissas em tudo e contra todos, a serviço de um pensamento conservador, reacionário e golpista disseminado, para infelicidade geral, como coisa normal. Não é. E é sobre isso que eu queria falar enquanto ensinava, dia a após dias, os fundamentos práticos da pauta, da entrevista, da redação jornalística, da nobre função do jornalista na sociedade, no Brasil, na História.

O sucesso de Lula foi fazer um governo sem maldades

De Luciano Suassuna - iG

Dentro de 48 horas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva verá a roda do destino girar num sentido que ele nunca conheceu. Pela primeira vez na sua história pública, Lula acordará a cada dia com menos poder que na noite anterior. De funcionário do sindicato a presidente dos metalúrgicos do ABC, de candidato derrotado ao governo de São Paulo a deputado constituinte, de presidente do PT a presidente da República com maior aprovação popular da história, Lula passou quatro de seis décadas de vida numa escada em que, ao final de cada etapa, os degraus o conduziam sempre para cima.

No imaginário popular, ele chegou ao cume e no alto deverá ficar. E mesmo que o tom messiânico das últimas declarações deixem entrever um presidente em processo de auto-idolatria, o fato é que Lula chegou lá por ter feito um governo simples, quase óbvio. Para ficar apenas num dado: ele foi o único presidente da redemocratização a não tomar nenhuma medida que interferisse negativamente no cotidiano das pessoas. Em outras palavras, toda uma geração de brasileiros conheceu pela primeira vez, enfim, um governo que não atrapalhou sua vida, que não mudou as regras por ele mesmo estabelecidas. E isso é ainda mais surpreendente quando se recorda que o PT que chegou ao governo agiu, em muitas áreas, de maneira inversa ao que apregoava quando era oposição.

Quando se olha Lula na comparação com seus antecessores mais recentes, ele deveria ser homenageado pelo que não fez. Lula não promoveu nenhum congelamento, nenhuma mudança de moeda, nenhuma tablita de conversão de valores, nenhum expurgo de índice inflacionário, nenhum bloqueio de depósitos em conta corrente, nenhum depósito compulsório, nenhuma moratória, nenhuma maxidesvalorização do Real, nenhuma banda hexagonal endógena, nenhum racionamento de energia. Não alterou a Constituição para prolongar o mandato, não modificou a legislação eleitoral para favorecer os candidatos de seu partido (ou ao menos prejudicar os adversários).

No início do primeiro governo, parte do funcionalismo acreditou que ele abriu o saco de maldades ao propor ao Congresso a reforma da previdência. Ela alongou a idade mínima para aposentadoria (60 para homens, 55 anos para mulheres), estabeleceu teto de remuneração e impôs a contribuição para inativos, os 11% de taxação, que constituíram a única interferência direta desse governo sobre uma fatia grande da população. Mas sua maior derrota no Parlamento foi uma vitória do resto da sociedade: o fim da CPMF, o imposto sobre cheques.

As maiores críticas dos adversários do governo Lula estão no que poderia ser chamado de saco de bondades do governo – a excessiva complacência ou dependência dos gastos estatais. Lula aumentou o número de funcionários e o salário de inúmeras categorias, ampliou a força de bancos e empresas estatais, autorizou poucas concessões e paralisou privatizações. Durante a crise econômica mundial de 2008, adotou as chamadas medidas anticíclicas: aliviou o Imposto de Renda e reduziu a carga tributária de alguns setores econômicos.

Mas o primeiro presidente que não mudou a estrutura macroeconômica fez muito no campo das mini-reformas. Seguem apenas algumas, das muitas que permitem entender como elas criaram o mais firme ciclo de prosperidade da história nacional:

1) O Bolsa Família ajudou a reduzir em dois terços os números da pobreza extrema no Brasil, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social.

2) A alienação fiduciária permitiu aos bancos emprestar mais e também mais rapidamente, graças à garantia de, em casos de maus pagadores, retomar prontamente o bem financiado. Isso foi vital para que o Brasil encerrasse 2010 na condição de quarto mercado consumidor de automóveis do mundo.

3) Medidas que garantiram o pagamento do valor incontroverso em questionamento de financiamento habitacional, Cédulas de Crédito Imobiliário e Letras de Crédito Imobiliário, entre outras, foram fundamentais para a reativação da indústria da construção civil.

4) O crédito consignado reduziu a mais da metade a taxa de juros cobradas do tomador e deu a partida na ampliação do mercado interno na medida em que ajudou a criar o circulo virtuoso de mais consumo, mais produção e mais emprego. Financiada por esses e outros instrumentos, uma legião de novos consumidores primeiro comprou uma televisão mais moderna, depois trocou a geladeira, adquiriu o primeiro carro zero quilômetro e finalmente entrou no financiamento da casa própria.

5) O ProUni permitiu o ingresso de meio milhão de jovens carentes no ensino superior.

6) A Cédula de Crédito Bancário, chamada de LCA, facilitou o investimento na produção agrícola.

7) O crédito total no Brasil praticamente dobrou em oito anos, atingido hoje quase metade do PIB. Em valores nominais, a conta é mais expressiva: R$ 1,64 trilhão.

8) A Lei de Recuperação Judicial, espécie de nova lei de falências, criou condições para as empresas renegociarem suas dívidas sem comprometer a produção e o emprego. Estima-se que ela levou a uma redução de 65% no número de pedidos de falência.

No próximo domingo, quando retornar àquela cobertura em São Bernardo do Campo para começar uma rotina ainda indefinida, o presidente terá de conviver com esse passado de sucesso. Quando não estiver cumprindo a nova agenda de seminários, palestras e conferências internacionais, que já se prevê extensa, Lula deverá ser uma espécie de oráculo do PT, recebendo consultas e dando conselhos a amigos do partido, assim como Fernando Henrique Cardoso fez no PSDB.

Dependendo do que o próximo governo, ou o seguinte, vierem a fazer, ficará a questão: se o Brasil chegou a crescer a quase 8% no seu último ano na Presidência e acumulou 15 milhões de novos empregos nos oito anos do mandato, o que teria acontecido se, além das micro-reformas, Lula tivesse empreendido algumas das famosas mudanças estruturais que o Brasil precisa:

1) Uma legislação trabalhista menos onerosa para quem emprega e mais adequada a essa economia de serviços que se firmou nos oito anos de mandato.

2) Uma reforma tributária que, no lugar de olhar a repartição das receitas entre governadores, enxergue o Brasil como um competidor global, facilitando o trabalho das empresas que têm vocação e capacidade para ganhar mercados em qualquer lugar do mundo.

3) Uma série de concessões e privatizações que traga o abundante capital externo para projetos de longo prazo de infra-estrutura: duplicação de rodovias, ampliação dos aeroportos, modernização dos portos, construção de ferrovias, integração do transporte urbano nas grandes cidades.

4) O investimento pesado na formação de professores e a criação do tempo integral nas escolas públicas.

5) A adoção de uma política nacional de segurança pública, com parâmetros de treinamento, equipamento e correição para as polícias de todos os Estados.

Ao contrário de seu antecessor, Lula terá nos próximos tempos uma expectativa de retorno à Presidência para alimentar sua força. Para que a roda do destino mantenha-se girando na mesma direção de sempre, ele precisa exercer essa expectativa e começar a planejar o que seria o Brasil numa espécie de “Lula de novo”. Mas cada passo nesse caminho terá quase sempre duas leituras: agora vai ser visto como um golpe contra sua eleita, a presidenta Dilma Rousseff. E na relação com a história pode comprometer esse passado de sucesso e realizações ao suscitar a questão do por que não fez antes? Mas saber se reinventar, e por vezes virar o jogo, são as maiores virtudes de Lula.

Pequeno balanço

Sírio Possenti
De Campinas (SP)


Finais de ano costumam ser ocasião para balanços. Os jornais e TVs fazem suas retrospectivas, boas ou banais, em todos os campos: esporte, política, artes (os melhores livros, discos, peças de teatro...). Jornais e revistas organizam páginas com as frases do ano - às quais comparecem, misturados, personagens como Ronaldo, Sabrina Sato, Lula, Bento XVI.

Não vou fazer algo do gênero. Vou comentar duas ou três coisas, mais ou menos fora de minha esfera normal de atuação (ou nem tanto, dado que sempre me refiro à falação generalizada).

Sobre Lula vs FHC, o que mais se ouve são dois discursos: 1) Lula não teria sido nada sem FHC, pois fez exatamente o que seu antecessor fez, no que é relevante, ou seja, seguiu sua política econômica; 2) que Lula inovou, especialmente com uma política econômica de alcance social, que não inclui apenas a bolsa família (embora não a exclua, claro), mas também políticas de crédito profundamente diferentes e, especialmente, aumentos de salário mínimo e diversos incentivos ao consumo (ao invés de assustar na crise, mandou gastar e diminuiu certos impostos para facilitar a opção).

Ler sobre isso me interessa. Mas o que mais me interessa na comparação dos dois presidentes são duas atitudes (que já mencionei diversas vezes em textos anteriores). Para mim, a diferença básica entre FHC e Lula tem a ver com o funcionamento das instituições, especialmente no que se refere a duas questões:

a) FHC mudou a Constituição para permitir sua própria reeleição - o que é uma forma de golpe. Lula poderia ter tentado um terceiro mandato, como Chávez, sempre muito comentado, ou como Uribe, pouquíssimo (porque o que não se pode à esquerda se pode à direita, segundo a opinião de nossa imprensa e de "nossos" ex-ministros de Relações Exteriores). Lula não tentou. Pode ter sentido coceiras variadas, ter curtido a tentação de amigos de apresentar uma emenda, mas o fato é que tal movimento não ocorreu. Houve muita especulação, muitos apostavam que ele tentaria. Os fatos os desmentiram.

b) a segunda diferença fundamental tem a ver com o funcionamento da Procuradoria Geral da União: Lula indicou três ocupantes para o cargo. Os três promoveram ações que mostraram sua independência. O caso mais notório foi a acusação apresentada ao Supremo no caso do mensalão. Lula pode pensar o que quiser do caso: o fato é que o Procurador Geral disse que havia uma quadrilha. Ora, o comportamento do ocupante do mesmo cargo nos governos FHC (ele ficou lá o tempo todo) o tornou conhecido como "engavetador geral da república". Pode apostar: se um caso como o mensalão tivesse ocorrido durante o governo FHC (e não nos enganemos: houve vários, inclusive aquela compra de deputados no episódio da votação da emenda da reeleição), o Procurador teria engavetado o processo.

Dizer isso não é fazer a defesa de todas as ações de Lula nem condenar todas as de FHC. É reconhecer uma diferença fundamental entre eles em relação ao funcionamento impessoal das instituições. Que é, afinal, o que a maioria da oposição pede: que o governo deixe de ser personalista etc. Lula é personalista. Seu ego só é batido pelo de FHC. Daí uma pergunta que não pode ser respondida: se FHC tivesse a popularidade de Lula em 2001, alguém teria proposto outra reforma para possibilitar-lhe uma re-reeleição? Eu aposto que sim!

Um comentário final: foi dito e escrito milhares de vezes que Lula tentaria um terceiro mandato. Depois, que buscaria um cargo na ONU. A primeira profecia foi para as cucuias. A segunda foi desmentida de tal forma, talvez até deselegantemente (Lula disse mais de uma vez que o Secretário Geral da ONU tem de ser um burocrata, e não um "político forte", mais forte que muitos governantes - claro, falava dele mesmo) que qualquer mudança de posição seria um desastre. E Lula mostrou que pode não ter lido Proust, mas bobo ele não é.

Agora, as especulações são sobre sua volta em 2014 e/ou sobre o quanto mandará no governo Dilma. Minhas previsões: não mandará nada no governo Dilma (achar que mandará é não saber nada sobre ele, parece, e, principalmente, sobre ela); e não voltará - não tentará voltar - em 2014.

Mas, e o ego dele? Exatamente por isso...


Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua, Os limites do discurso, Questões para analistas de discurso e Língua na Mídia.

O governo Lula

Maicon Tenfen

Em sua maioria, os editoriais dos grandes jornais brasileiros estão apresentando balanços positivos dos oito anos do governo Lula. Há, porém, espaço para críticas. O problema é que boa parte da oposição perde tempo com maledicências desnecessárias sobre as falhas gramaticais do presidente, sobre como ele lamenta deixar o cargo ou sobre sua influência na administração de Dilma Rousseff. Tudo isso é irrelevante, ótimo material para chargistas e humoristas, mas uma nulidade em se tratando dos reais problemas do país. Abaixo faço cinco perguntas aos simpatizantes incondicionais do governo Lula:

1) Hoje os brasileiros têm acesso a bens de consumo através de longas e suaves prestações. Isso é bom, claro, mas é preciso perguntar por que os mesmos brasileiros ainda não têm acesso à saúde, segurança e educação de qualidade. O sucesso do governo Lula não seria apenas o sucesso dos mercados? Será que o governo não se limitou ao papel de distribuidor de “vale-compras” para aquecer a economia?

2) O PAC é celebrado como um dos maiores projetos de infraestrutura de toda a história do Brasil, uma espécie de prova concreta de que agora possuímos um país forte graças à ação de um Estado forte. Se é assim, pergunto por que a duplicação de rodovias como a BR-470 não sai do papel. Ou, por outra, por que sou obrigado a pagar pedágio quando transito na BR-101?

3) Antes mesmo da descoberta do pré-sal (que sepultou toda e qualquer discussão sobre os biocombustíveis), Lula comemorou a autossuficiência petrolífera do Brasil. Se é assim, então por que temos que pagar preços tão absurdos pela gasolina e pelo diesel? Por que os trabalhadores e os estudantes precisam pagar tão caro por um passe de ônibus?

4) Graças à insistência de agentes do governo Lula junto aos comitês esportivos internacionais, breve sediaremos as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Bravo! Mas, já que perguntar não ofende, lá vai: começando pelos aeroportos, daremos conta do recado?

5) Lula chega ao fim do segundo mandato com 80% de popularidade. Isso é inédito e louvável, mas nos leva a uma pergunta crucial: por que o presidente e seu partido não aproveitaram tamanha popularidade para implementar as reformas política e tributária?

Essa eu mesmo respondo: preferiram curtir os ventos da bonança a encarar a máquina de corporativismo que é o Congresso. Dificilmente teremos uma oportunidade como essa que escapou.

A Era Lula no Vale do Itajaí

Investimentos sociais e infraestrutura defasada integram herança do presidente deixada à região


Oktoberfest de 2003. Blumenau receberia um presidente da República após 27 anos, e justo durante a festa que a projetou país afora. Administrado por Décio Lima, petista e amigo da família presidencial, o município preparou a atmosfera para que o chefe de Estado fosse recebido nos braços do povo. Naquele 3 de outubro o presidente entregou casas, aplaudiu o desfile na Rua XV de Novembro, bebeu chope, usou chapéu tirolês e brindou com o público nos pavilhões da festa. Só faltou a um compromisso: a inauguração de um monumento em sua homenagem, em frente ao Mausoléu Dr. Blumenau.

A peça, do artista plástico Guido Heuer, continua à beira da calçada, do outro lado da rua, e ali permanecerá por décadas, a depender da solidez dos 300 quilos de aço empregados. A partir do instante em que Luiz Inácio Lula da Silva descer a rampa do Palácio do Planalto, sábado, a obra recordará aos moradores do Vale do Itajaí um período de economia resistente feito aquele aço, fundida numa combinação de austeridade e pesados investimentos sociais. Revelará também uma era de avanços tímidos na infraestrutura, apesar das repetidas promessas de duplicação da BR-470, e de burocracia na reconstrução das áreas atingidas pela tragédia de 2008.

A Era Lula foi um tempo de governante presente: ao longo de oito anos, nove visitas à região (veja quadro abaixo). O presidente aqui esteve na bonança, em 2003, e na tempestade, em 2008. Naquele novembro, trouxe a expressão grave, afeto e palavras de esperança. Do R$ 1,6 bilhão prometido para a reconstrução, no entanto, chegaram cerca de R$ 680 milhões, já que a MP 448 não carimbou as verbas para Santa Catarina e o dinheiro pôde ser usado em outros estados.

Em 12 de dezembro de 2008, num ginásio escolar transformado em abrigo, no Vorstadt, Lula prometeu agilidade na construção de casas para as famílias que ficaram sem teto.

– Já fiquei em abrigo em função de enchentes. É bem melhor ficar na casa da gente – solidarizou-se.

Dois anos depois, 118 famílias se mudaram para apartamentos novos, financiados pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Outras 1.722 continuam na fila. Mais ágil foi a liberação de mais de R$ 1 bilhão em contas do FGTS para os atingidos.

ECONOMIA E PROGRAMAS SOCIAIS

Nas áreas econômica e social, o presidente petista construiu sua maior obra, e o Vale do Itajaí participou dela. Só neste dezembro, 20,5 mil famílias da região receberam o Bolsa-Família, 2,2 mil delas de Blumenau. A renda média do blumenauense cresceu 97,5% desde 2002, conforme estimativa do Instituto de Pesquisas Sociais (IPS) da Furb. De 2003 até novembro passado, 39 mil novos empregos surgiram em Blumenau, segundo o Ministério do Trabalho. Mais 18,7 mil em Itajaí.

O aumento da riqueza do povo e a expansão do crédito explodiram as vendas do comércio, das indústrias e do setor imobiliário. Só o Minha Casa, Minha Vida garantiu R$ 432 milhões para a construção de 7,1 mil moradias no Vale. Nunca se vendeu tanto carro. As indústrias têxteis focaram no mercado interno aquecido e abandonaram as exportações, desaconselhadas pelo dólar baixo. O Brasil e a região enriqueceram.

Para o economista, doutor em Ciências Contábeis e Administração Jorge Eduardo Scarpin, além de manter as bases macroeconômicas do governo Fernando Henrique Cardoso, Lula transformou o principal programa de transferência de renda do país e incentivou setores que geram emprego.

– A grande mudança foi a transformação do benefício do Bolsa-Família de cestas básicas para dinheiro, que movimenta todo o comércio local. Além disso, deu incentivos pesados à construção civil, reduzindo o déficit de habitações e gerando empregos, e expandiu o crédito – analisa.

INFRAESTRUTURA

Em junho de 2009, num evento do Ministério da Pesca, em Itajaí, Lula ouviu cobranças pelo atraso na reconstrução dos berços de atracação do porto, destruídos pela cheia do ano anterior. O governo aplicou R$ 320 milhões na obra. O presidente reclamou da burocracia dos órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas da União (TCU):

– Achei que viria aqui inaugurar o porto.

Só pôde fazê-lo em setembro e outubro deste ano, já em campanha pela eleição de Dilma Rousseff. Na infraestrutura de transportes, o governo Lula deixará marcas menos profundas. A duplicação da BR-470 só começou a andar no segundo mandato. Em janeiro de 2007, o governo federal incluiu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) os 74 quilômetros entre Navegantes e Indaial. A previsão de entrega era 2010. Nem licitada foi. Faltam os projetos executivo e de impacto ambiental, cuja conclusão foi adiada três vezes.

No entorno de Blumenau, duas obras importantes foram levadas adiante, mas permanecem inacabadas: o acesso da Via Expressa à BR-470 e o Viaduto da Mafisa, que ficou sem a passagem ao Bairro Itoupavazinha. O Aeroporto de Navegantes, internacionalizado por Lula em 2004, conquistou uma nova sala de desembarque e o VOR, aparelho para tornar pousos e decolagens mais seguros – em fase de instalação. Enquanto isso, o número de embarques e desembarques cresceu 43% no último ano e a previsão da Infraero é atingir 1 milhão de passageiros em 2011, limite da capacidade.

POPULARIDADE

Obras, mais dinheiro no bolso e a presença frequente não foram suficientes para Lula repetir no Vale a popularidade inédita obtida Brasil afora. Em Blumenau, o presidente foi derrotado por Geraldo Alckmin nos dois turnos da reeleição, em 2006. O mesmo ocorreu com Dilma, este ano, contra José Serra – o tucano obteve quase 30 pontos de vantagem no segundo turno. Para o petista, doutor em Sociologia e professor do mestrado em Desenvolvimento Regional da Furb Valmor Schiochet, a rejeição de Lula no Vale é um fenômeno profundo ligado à cultura política conservadora que tem se manifestado na região.

Lula ainda será lembrado como o responsável pela criação do Parque Nacional Serra do Itajaí, em 2004, e por ter sido o primeiro chefe de Estado a participar do Encontro Econômico Brasil-Alemanha, em 2007. Sem querer, levou a Oktoberfest às páginas do New York Times. A reportagem de 2004 tratava do gosto de Lula por álcool. A foto o flagrava levantando um caneco na antiga Proeb.

O tempo decidirá em quais verbetes da enciclopédia da história estará Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, um fenômeno da era que termina é constatado por seguidores e críticos. Os últimos oito anos aproximaram o Brasil do Vale do Itajaí.

Em 2003, na mais marcante visita à região, o homem que será chamado de ex-presidente dentro de poucas horas desejou oferecer aos rincões brasileiros a qualidade de vida que avistou do palanque em frente à Catedral São Paulo Apóstolo, na XV:

– A gente olha pra cara de uma criança daqui e vê que a mãe comeu bem durante a gravidez, que a avó comeu e que a criança come desde que nasceu.

Desejo ainda distante de ser alcançado, mas bem mais próximo do que quando Lula o desejou.

DAIANE COSTA E EVANDRO DE ASSIS

Lula, um fenômeno

Lula, um fenômeno

Lula vai para o livro dos recordes, com direito a ocupar vários itens. Um retirante nordestino deixa o poder com o Brasil vivendo uma situação privilegiada. Lula possui índices de popularidade insuperáveis e o governo terminando com índices inéditos em todos os setores da economia. A inclusão social é uma realidade incontestável que impulsiona a economia. A imagem do Brasil no Exterior subiu como nunca, salvo os deslizes causados pelas relações com ditadores.

O balanço sobre a atuação em Santa Catarina também é favorável. Em primeiro lugar, nunca se omitiu nas calamidades. Prontamente marcou presença, autorizou verbas federais e mobilizou órgãos públicos.

Destaque para a área educacional. Criou a Universidade da Fronteira e autorizou a instalação de campi da Universidade Federal de Santa Catarina. Os Cefets se espalharam pelo Estado, triplicando as matrículas do ensino profissional, vital para a qualificação da mão de obra. O ProUni ajudou a democratizar as oportunidades.

A infraestrutura não recebeu o impulso merecido e desejado pelos catarinenses. Mas houve investimentos nos portos de Itajaí, São Francisco, Laguna e Imbituba. O setor elétrico teve especial atenção. A subestação da Celesc em Joinville evitou uma grave crise nas indústrias. A linha de transmissão submarina da Ilha vai garantir segurança à distribuição de energia na Capital. A agricultura familiar nunca teve tanto crédito. A habitação popular ganhou impulso. A construção civil beneficiou-se nas duas pontas: no fornecimento de insumos pela indústria e na compra da casa própria. Recursos favoreceram o saneamento básico, a ciência e tecnologia e até a segurança pública.

MOACIR PEREIRA

Kleinübing: pode ser pior?

Na edição de ontem, o Santa trouxe uma entrevista com o prefeito de Blumenau, João Paulo Kleinübing. A diferença deste ano, em relação aos anteriores, foi que o chefe do paço municipal já estava na sua terra natal, Florianópolis. Contudo, em sua entrevista, Kleinübing trilhou os caminhos da desfaçatez e das justificativas, na tentativa de não assumir responsabilidades cabíveis. Vejamos:

Como costuma agir, o prefeito, com cinismo e má-fé, alega que reconstrói sozinho a cidade. Vestindo a roupa de um herói da Disney, ele nega a participação no processo do governo federal, o grande responsável pelo que ele chama de “nova cidade”. Se tirarmos a máscara de Kleinübing, veremos claramente que a reconstrução de pontes, muros de arrimo, passarelas, ruas e a recuperação de escolas são obras financiadas com recursos do governo federal! A construção das 2,2 mil unidades habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida, o viaduto do Trevo da Mafisa, a recuperação das galerias do Sesi e da Rua 2 de Setembro são obras custeadas pelo governo federal!

A subversão que o prefeito faz dos fatos é tamanha que ele teima em pregar que as moradias provisórias são o céu na terra, ou ainda em se referir à construção da ponte de Badenfurt – que desde 2004 tem projeto aprovado e dinheiro garantido. Não fez ainda por quê? Nenhum projeto do prefeito parece sair do papel.

O chefe do Executivo também esqueceu de abordar a sangria das políticas públicas, principalmente nas áreas da educação, saúde e transporte público, que se esfacelaram em seu governo, marcado ao mesmo tempo pela letargia e pela rigidez nas políticas sociais. Mas o maior desastre veio quando o prefeito tentou discutir o processo de privatização do sistema de saneamento básico. Em vez de ter uma política voltada para a defesa dos direitos da população, preferiu garantir os lucros dos empresários, às custas de um processo que até hoje é discutido na Justiça.

LENILSO LUIS DA SILVA - Estudante

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Sindicalistas no governo

Coluna de Paulo Moreira Leite
Levantamento da professora Maria Celina D’Araujo, professora da PUC do Rio de Janeiro, mostra uma situação curiosa no governo Lula.

Nada menos que 42,8% dos ocupantes de cargos de confiança na administração federal – aqueles onde a pessoa chega sem concurso público – são sindicalistas e ex-sindicalistas. Entre estes, 84% são filiados ao PT.

Divulgados ontem pela Folha, estes números tem uma utilidade indiscutível.
Ajudam a entender o funcionamento do governo Lula e do PT.

Mas eu me incomodo com quem aponta este levantamento como uma nova demonstração do “aparelhamento” do Estado pelo PT e pela CUT. A questão é outra.

Lembrando que cargos de confiança são cargos políticos, seria espantoso que, numa administração com o histórico do governo Lula, essas vagas fossem ocupadas por estudantes universitários, por executivos de banco, jornalistas, fazendeiros ou artistas plásticos.

Os sindicatos estão na origem do PT, forneceram boa parte dos quadros do
partido, formaram boa parte de suas lideranças.

Para usar uma categoria que já animou nossos intelectuais de esquerda — boa parte deles se encontra hoje no PSDB — os sindicalistas podem ser considerados os “intelectuais orgânicos” do governo Lula e, agora, do governo Dilma.

Eles expressam a visão de mundo do eleitorado, ajudam a manter o apoio ao governo e mobilizam os assalariado quando necessário. Estabelecem um contato direto entre o governo e uma parcela da sociedade. Outras lideranças do movimento popular cumprem esta função mas poucas tem a mesma importância.

A força dos sindicalistas foi demonstrada num episódio recente. Um dos motivos que levou o deputado Candido Vacarezza a perder a disputa para se tornar o nome do PT na disputa pela presidência da Câmara foi uma entrevista na qual defendia mudanças na legislação trabalhista que não agradam aos sindicalistas.

Os próprios dirigentes sindicais gostam de cultivar uma visão glorificada de sua atividade. Há exagero nessa visão. Na verdade, os sindicatos fazem parte da burocracia das sociedades de nosso tempo.

O sindicalismo não é um universo de anjos, mas de disputas e interesses. Mas em parte eles têm razão.

Com muita frequencia, é possível encontrar uma ligação entre as categorias que possuem um sindicalismo forte e o acesso a benefícios maiores.

Não custa lembrar que a vida social é um conflito permanente pela partilha de renda e de conforto — e nem o mais ingênuo dos advogados da economia de mercado consegue acreditar que a lei da oferta e da procura funciona de modo transparente e sem distorções para as pessoas. Sempre há uma margem de negociação.

No tempo em que pretendia disputar o movimento social com o PT, o PSDB tentou reforçar uma central alternativa à CUT, a partir da Força Sindical. Com a posse de Lula, a Força Sindical conservou sua parcela de dirigentes identificados com o PSDB mas uma maioria importante tornou-se lulista.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Governo Lula põe publicidade em 8.094 veículos de comunicação

FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA

Quando Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse, em janeiro de 2003, apenas 499 veículos de comunicação recebiam verbas de publicidade do governo federal. Agora o número foi para 8.094.

Esses jornais, revistas, emissoras de rádio, de TV e "outros" estão espalhados por 2.733 cidades. Em 2003, eram só 182 municípios.

Só neste ano eleitoral de 2010, o dinheiro para publicidade de Lula passou a ser distribuído para 1.047 novos veículos de comunicação.

A categoria "outros" inclui portais de internet, blogs, comerciais em cinemas, carros de som, barcos e publicidade estática, como outdoors ou painéis em aeroportos.

Chama a atenção o aumento do número de "outros". Em 2003, eram apenas 11. Agora, são 2.512. A informação do governo é que a maioria é de sites e blogs.

Lula e sua equipe de comunicação não escondem a simpatia pelo novo meio digital. O presidente foi o primeiro a conceder uma entrevista exclusiva dentro do Planalto para o que a administração petista chama de "blogs progressistas".

Lula da Silva avançou na transparência em relação ao governo do tucano Fernando Henrique Cardoso.

Nunca existiu esse tipo de estatística até 2003. Ainda assim, há buracos negros no processo. Não se sabe quais são os veículos que recebem verba de publicidade estatal nem quanto cada um ganha.

O valor total gasto nos dois mandatos, até outubro deste ano, foi R$ 9,325 bilhões. Dá média anual de R$ 1,2 bilhão.

Essa cifra não inclui três itens: custo de produção dos comerciais, publicidade legal (os balanços de empresas estatais) e patrocínio.

Produção e publicidade legal consomem cerca de R$ 200 milhões por ano. No caso de patrocínio, o gasto médio anual foi de R$ 910 milhões de 2007 a 2009.

Tudo somado, Lula gasta R$ 2,310 bilhões por ano com propaganda. Os valores são semelhantes aos do governo FHC, embora inexistam estatísticas precisas à disposição.

A diferença do petista para o tucano foi a dispersão do dinheiro entre os 8.094 jornais, revistas, emissoras de rádio, de TV e sites. Um espetáculo de 1.522% de crescimento de veículos atendidos.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Nada será como antes

Lula não inventou a roda nem começou do zero, mas mudou o País. Quem há de se vangloriar ou se lamentar disso?

Nunca antes na história deste País houve um presidente como Luiz Inácio Lula da Silva. Encerrada sua dupla presidência, nada será igual. O País que ele nos deixa é outro, para o bem e para o mal. Nem melhor, nem pior, simplesmente diferente. Lula fez e desfez, aconteceu, circulou e apareceu, mudou o discurso do poder e o modo como a opinião pública se relaciona com seus governantes, pacificou e articulou os mais distintos interesses sociais, a ponto de sair de cena como uma espécie inusitada de glória nacional. Deixou marca tão forte na política, na administração pública e no imaginário popular que será preciso um tempo para assimilarmos sua ausência.

Lula não teve a grandeza fundacional e paradigmática de um Vargas, verdadeiro artífice do Brasil moderno, que ele forjou mediante um padrão de intervenção estatal e um “pacto” ainda hoje vigentes. Não trouxe o charme nem o dinamismo de JK, com sua fantasia industrializante de recriar o País, fazendo 50 anos em 5. Nem sequer seria justo aproximá-lo de Fernando Henrique Cardoso, cujo refinamento intelectual fazia com que conhecesse a estrutura do País que pretendeu administrar.

Mas Lula foi diferenciado. A começar do estilo. Falastrão, debochado, emotivo, avesso a protocolos e a regras gramaticais, demarcou um território. Líder metalúrgico, filho humilde do Brasil profundo, encontrou uma fórmula eficiente de dialogar com as grandes multidões, valendo-se da exploração de uma espontaneidade que o levou a ser tratado como um brasileiro igualzinho a você, predestinado a promover a ascensão dos pobres graças à magia de uma identificação imediata. Por ter vindo “de baixo” e carregado a cruz do sofrimento, Lula saberia como atender os pobres. A precariedade da formação intelectual e a falta de gosto por leituras ou estudos sistemáticos seria compensada pela percepção intuitiva das carências sociais. Ponha-se nisso uma pitada de sagacidade e se tem a lapidação de um mito.
O estilo Lula de ser presidente caminhou sempre de braços dados com glorificação e a autoglorificação. Foi assim, aliás, que ele abriu caminho no PT. Soube usar a aura que o cercou no final dos anos 70, quando despontou como expressão de um “novo sindicalismo” que irrompia numa sociedade silenciada pela ditadura e disponível para se emocionar com a movimentação dos operários do ABC paulista. Criou-se assim o signo do trabalhador que se impõe a políticos, estudantes e intelectuais para fundar um partido diferente, uma política de outro tipo, um novo discurso, um distinto modo de deliberar e agir. O bordão “nunca antes na história”, na verdade, nasceu ali, colando-se a sua trajetória.

O estilo sempre esteve próximo da egolatria e da autossuficiência, combinadas com uma enorme vontade de agradar a todos. Lula nunca reconheceu erros ou cultivou a modéstia. Sua vida teria transcorrido numa sucessão de eventos positivos, modelados por seu discernimento, seu sacrifício e seu espírito de luta. Outros erraram, companheiros inclusive; ele no máximo foi enganado ou ficou imobilizado por perseguições e preconceitos.

Mas é impossível diminuir o tamanho real do personagem. Num País em que as elites políticas, econômicas e intelectuais, apesar de não terem conseguido governar com generosidade, nunca largaram as rédeas do governo, a irrupção de um metalúrgico no Planalto deve ser compreendida sem ira nem ressentimento. Tratou-se de um fato excepcional, desses que podem efetivamente sinalizar que algo novo começou a trepidar no chão da vida cotidiana.

A chegada de Lula ao poder não foi obra do desígnio divino, nem derivou exclusivamente de seu carisma ou mérito pessoal. Muita gente se empenhou para isso e a operação exigiu algum sacrifício. O PT, por exemplo, trocou sua identidade operária pela possibilidade de projetar um operário na cúpula do Estado. Depois de ter se recusado a jogar o jogo da redemocratização do País, o partido passou a defender as regras formais e informais do sistema político. Afastou-se dos compromissos de esquerda. Depurado de combatividade e eixo, ficou refém de seu mais conhecido expoente. Alguma semelhança com o papel desempenhado por Luiz Carlos Prestes no velho PCB não é mera coincidência.

A estratégia foi auxiliada pelos fatos da vida. Houve o governo FHC, que venceu a inflação e lançou a plataforma de uma sociedade mais educada para a racionalidade econômica e mais sensível à necessidade de centralizar a questão social. Lula beneficiou-se, também, da consolidação democrática, da expansão da economia internacional e do que isso trouxe de espaço para o crescimento da economia brasileira. Tudo ajudou as políticas públicas a ganhar nova preeminência e incluir o combate às zonas de miséria e pobreza que devastam a sociedade.

Exagera-se muito na avaliação que se faz de Lula. Na apreciação do que há de positivo em seu governo, nem sempre se dá o devido valor à equipe técnica e política que o assessorou. O bloco de sustentação e a amplíssima coalizão de interesses que montou não se deveram a uma incomum habilidade de negociador, mas sim à recuperação do Estado como agente, à disseminação de práticas generalizadas de composição parlamentar e a uma “racionalidade” dos próprios interesses, que pactuaram para ganhar um pouco mais ou perder um pouco menos. Uma “nova classe média” apareceu, impulsionada pelas facilidades do crediário, pelos programas de transferência de renda e pela impressionante mobilidade da sociedade. Mas não mudou a face do País.

A presidência Lula se completou com a eleição de Dilma Rousseff, sua maior criação. O “animal político” nascido no ABC mostrou que tem corpo e vontade própria. Já não depende mais de um partido para se afirmar e pode almejar ser fiador do novo governo.
Mas nada é tão simples como parece. Todo governante constrói sua biografia e a lógica da política o impele a buscar luz autônoma. Uma hipótese realista sugere que haverá um suave descolamento entre Lula e Dilma. Disso talvez nasça um governo mais ponderado e equilibrado, capaz de substituir a presença de um líder carismático e intuitivo pela determinação e pelo rigor técnico que são indispensáveis para que se possa construir uma sociedade mais igualitária.

Lula entrou para a galeria política brasileira. Mas não inventou a roda, nem começou do zero. Não fará tanta falta quanto imagina ou imaginam. Sua passagem para os bastidores do sistema, ainda que temporária, poderá propiciar uma lufada de oxigênio na política e na dinâmica social, ajudando-as a adquirir mais espontaneidade e a pressionar por agendas de novo tipo.

Nada será como antes, é verdade, mas ninguém lamentará nem se vangloriará disso.

Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política da Unesp e autor de o encontro O Encontro de Joaquim Nabuco com a Política (Paz e Terra)

Nunca antes

OPINIÃO DA RBS
24/12/2010

Nunca antes na história desse país um presidente concluiu seu mandato com tamanha aprovação: o ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva, após oito anos na presidência do Brasil, ostenta 83% de avaliação positiva (ótimo e bom). Para alcançar esta extraordinária popularidade medida pelo Instituto Datafolha, Lula utilizou seu carisma e sua competência para superar desconfianças. Manteve a economia nos trilhos, elevou a renda dos brasileiros, criou 14 milhões de empregos e retirou da faixa de carência cerca de 30 milhões de pessoas.

Nunca antes na história desse país reunimos tantas oportunidades para o sonhado salto de desenvolvimento, com a implementação de reformas estruturais, a correção das mazelas educacionais e a cura de um sistema de saúde doente. Mas o governo Lula termina de forma constrangedora nestas áreas: estudantes pessimamente colocados nas avaliações internacionais, doentes enfileirados nas portas dos hospitais e descaso com o saneamento básico.

Nunca antes nesse país tivemos a necessidade de uma reforma política, capaz de fortalecer a democracia, moralizar as disputas eleitorais e reduzir a margem para o fisiologismo e para as alianças partidárias espúrias. Mas Lula não se diferenciou de presidentes anteriores, seguiu as regras do jogo e se omitiu em relação à apuração de escândalos de corrupção.

Nunca antes nesse país registrou-se avanço social tão significativo, com a garantia de renda mínima a 13 milhões de famílias e a transferência de R$ 60 bilhões a pessoas que viviam em extrema pobreza. O Bolsa-Família beneficia cerca de 50 milhões de pessoas, mas ainda falha na estratégia de oferecer uma porta de saída aos beneficiários.

Nunca antes nesse país um presidente foi tão eficiente na comunicação com as multidões. Mesmo sem o rebuscamento dos oradores diplomados, Lula conquistou plateias com seus discursos improvisados, utilizando-se de metáforas futebolísticas e de expressões familiares à parcela menos culta da população.

Nunca antes nesse país tivemos tantas liberdades democráticas e ao mesmo tempo tantos rompantes autoritários de pessoas abrigadas à sombra do poder. Sob o pretexto de controle social da mídia, estimularam-se fóruns de interferência na produção de conteúdo jornalístico e toleraram-se propostas atentatórias à liberdade de expressão.

Nunca antes nesse país houve um Lula – o governante que entrará para a história pelos discursos emotivos e pelas decisões populistas, mas também pela visão social, pela inteligência administrativa e por encaminhar o país para um novo patamar de desenvolvimento.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Os números de Lula

Artigo
Nos últimos dias, foram divulgadas três pesquisas nacionais. Realizadas pela Vox Populi, o Ibope e o Datafolha, cada uma enfatizou determinado conjunto de temas, e usou metodologia e amostra diferentes.

Todas, no entanto, chegaram a um mesmo resultado: Lula encerra o ano e seus dois mandatos como presidente com a popularidade em ascensão. Os resultados que ele alcançou em dezembro são os melhores desde o início de 2003, na série de cada instituto.

Tomemos os números daquele de que as oposições mais gostam, conforme revelaram durante a campanha. Segundo o Datafolha, o governo Lula foi avaliado como “ótimo” ou “bom” por 83% dos entrevistados, sendo que 13% afirmaram que é “regular”. Os restantes 4% disseram que é “ruim” ou “péssimo”.

É um resultado extraordinário, por, pelo menos, duas razões. Em primeiro lugar, mostra que a avaliação positiva que Lula atinge na saída é quase o dobro da que obtinha na entrada, pois, em março de 2003, “apenas” 43% das pessoas, de acordo com o mesmo instituto, faziam juízo positivo do governo.

Note-se que esses números eram consensualmente considerados muito bons pelos analistas políticos: representavam o triplo da aprovação que Fernando Henrique tinha no encerramento de seu período e mostravam como eram favoráveis (e elevadas) as expectativas da sociedade brasileira em relação a Lula e à chegada do PT ao poder.

Seria possível dizer que quem somente torcia por Lula naquele começo de governo hoje confirma as expectativas positivas que tinha. Oito anos mais tarde, essas pessoas devem se sentir satisfeitas quando chegam à conclusão que o governo deu certo.

Quase todas as 40% que o avaliavam como regular, ao que parece, se converteram ao “lulismo de resultados”, assim como os 7% que não sabiam o que dizer. Os 10% que, naquele distante março de 2003, achavam o governo ruim ou péssimo minguaram para os 4% de agora.

O segundo motivo para afirmar que as pesquisas de dezembro são extraordinárias é a contínua tendência de melhora da popularidade presidencial. Ou seja, não apenas os números de Lula são elevados, como tenderam a subir constantemente.

Olhando a série de todos os institutos, verifica-se que a popularidade cresceu na campanha de 2006 (recuperando-se da crise do mensalão) e se manteve estável ao longo de 2007. De 2008 em diante, no entanto, ela só aumentou, batendo recorde após recorde, em performance que ninguém achava que seria sustentável (pelo que consta, nem Lula acreditava que conseguiria).

Foi possível explicar essa tendência, em 2008, pelo ambiente da eleição municipal, em que ninguém se arriscou a questionar o governo, exatamente por ele ser popular. Mas esse argumento não serve para 2009 e, em especial, para 2010.

Nas eleições que acabamos de fazer, a oposição usou todos os argumentos que quis, em palanques, na propaganda eleitoral e em debates, e contou com a ajuda sempre obsequiosa da chamada “grande imprensa”. Quem analisou a cobertura dos “grandes jornais” (impressos e televisivos) de São Paulo e do Rio, já mostrou quão desfavorável foi a Lula e ao governo (e a Dilma, naturalmente).

Não seria, em função disso, surpreendente que a popularidade caísse. Mas ela não apenas não caiu, como subiu ainda mais.

Chegam a ser engraçadas algumas especulações sobre o futuro de Lula. Parte de nossos observadores não sabe o que dizer de um personagem como ele e teima em enquadrá-lo no figurino de seus antecessores. Esquecem-se, porém, que todos saíram do governo com alto nível de desgaste (salvo Itamar, mas seu período foi tão excepcional que é difícil compará-lo). Em outras palavras: ex-presidentes que a vasta maioria do país queria ver pelas costas.

Daqui a dez dias, Lula será algo que não tivemos em nossa história, um ex-presidente querido e respeitado por quase todo mundo. Parecido com ele, o único é Juscelino.

A diferença é que JK só chegou a esse ponto depois de morrer, quando já era tarde. Lula está vivinho da silva e tem um largo caminho pela frente.



Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Prezado presidente Lula

Da Folha
BENJAMIN STEINBRUCH

Não é fácil presidir um país com o tamanho e com a complexidade do Brasil, mesmo com boas intenções

DENTRO DE DEZ dias estará encerrado seu período no comando do país. Nós todos, que sempre sonhamos com um Brasil desenvolvido e próspero, o aplaudimos quando conseguiu, depois de três tentativas frustradas, chegar à Presidência, com 52,4 milhões de votos.

É justo reconhecer que havia alguns receios, principalmente por causa de seu passado radical e de sua falta de experiência administrativa. Adversários se aproveitaram disso para assustar o país com previsões de catástrofe.

tão, o senhor escreveu uma carta ao povo e prometeu respeitar contratos, combater a inflação e, mais importante, remover obstáculos que impediam, durante longos anos, o crescimento da economia.

Entre as suas promessas, presidente, estavam criar 10 milhões de empregos, incentivar a construção habitacional e apoiar a empresa nacional, pequena ou grande.

Mais do que ninguém, por sua origem nordestina e operária, conhecia os problemas dos pobres. Comprometeu-se a combater a fome que atingia 22 milhões de pessoas e a pobreza, que sufocava 53 milhões de brasileiros.

Lembro-me de que ao lhe desejar boa sorte, escrevi aqui na Folha que sua eleição decorria desses compromissos que não poderiam ser abandonados, sob pena de frustrar o povo que acabara de cativar.

Sua vantagem era a ousadia que desaparecera nos anos anteriores, em que prevalecera a falta de apetite para o desenvolvimento e a acomodação com planos de estabilização monitorados pelo FMI.

Estávamos acostumados a usar a desculpa da falta de recursos para tudo: para a fome, para a violência, para justificar as escolas de péssima qualidade, os juros que esfolavam as empresas, a falta de moradias, a saúde em frangalhos e os buracos nas estradas.

Mas, mesmo com boas intenções, não é fácil presidir um país com o tamanho e a complexidade do Brasil. No começo, talvez para mostrar que não iria flertar com heterodoxias radicais de triste memória, o senhor adotou políticas que mantiveram um jeito muito conservador de conduzir a economia. Depois, houve um momento de decepção, em que poderia ter sido mais duro com desmandos dentro do governo.

Os programas sociais foram muito bem-vindos e tiraram da pobreza 11 milhões de famílias logo no primeiro mandato. Só no segundo, porém, o senhor demonstrou obstinação para adotar a política desenvolvimentista, com a criação do PAC e os investimentos em infraestrutura, ainda que a política monetária continuasse a frear a economia.

Quando veio a crise global, no fim de 2008, sua condução foi correta: redução de tributos sobre itens importantes para incentivar o consumo e a criação de emprego, estímulo ao crédito e outras medidas para fortalecer o mercado interno. Em pouco tempo, depois do susto inicial, o consumo interno crescia em ritmo chinês e o emprego se recuperava, mesmo tendo o Banco Central resistido em usar o instrumento poderoso da redução de juros.

Ao passar a faixa presidencial a Dilma Rousseff, dentro de dez dias, o senhor estará entregando também um país em franco crescimento econômico, com taxa de expansão próxima de 8%, algo que não se conseguia havia muitos anos.

Talvez seja o caso de sugerir a Dilma que faça o esforço que for necessário para manter o país em um ritmo de crescimento parecido com esse que o senhor conseguiu -para isso, ela terá de baixar juros, cuidar do câmbio e reduzir custos para o setor privado. E sugerir também, já que ela é do seu partido, que tente cumprir algumas tarefas que o senhor não conseguiu concluir.

Como brasileiro, agradeço pelo seu empenho nesses oito anos de trabalho. Espero que sua sucessora, a primeira mulher a ocupar a Presidência, tenha a coragem de assumir, como o senhor o fez, um projeto de desenvolvimento nacional.

BENJAMIN STEINBRUCH, 57, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças, a cada 15 dias, nesta coluna.

Jorge Hage: "Emenda individual tem que acabar"

Do Congresso em Foco

Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, controlador geral da União diz que o atual sistema de elaboração do orçamento é o principal responsável pela existência dos esquemas de desvio de verbas

Rudolfo Lago e Edson Sardinha

Idealizado pelo ex-ministro Waldir Pires, o sistema de auditorias por sorteios nos municípios serviu para desbaratar nos últimos anos três grandes esquemas de desvio de verbas públicas federais. O primeiro foi a máfia das ambulâncias, uma organização nacional que superfaturava a compra desse tipo de veículos pelas prefeituras. O segundo foi o esquema João de Barro, de desvio de dinheiro destinado a habitações populares e saneamento. Agora, foi a partir dos sorteios que se começou a verificar a existência de uma organização que cria instituições fantasmas, superfatura – ou, simplesmente, não realiza – festas para desviar recursos do Ministério do Turismo.

Além do fato de terem sido descobertos a partir das auditorias por sorteio realizadas pela equipe da Controladoria Geral da União (CGU), os três esquemas têm uma outra coisa em comum: o dinheiro desviado provém de emendas parlamentares individuais ao Orçamento Geral da União. Num conluio que envolve parlamentares, prefeituras e as instituições que realizarão as obras e eventos, o dinheiro público vai sistematicamente sendo desviado para bolsos alheios.

ou totalmente contrário à existência das emendas orçamentárias individuais", fulmina, em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o ministro da Controladoria Geral da União, Jorge Hage. "Primeiro, tais emendas pulverizam o dinheiro público em pequenas obras de interesse público menor. Em segundo, fazem com que o parlamentar federal exerça um papel de vereador, quando ele deveria estar preocupado com os grandes debates nacionais. E, finalmente, porque tem sido esse o principal caminho para os desvios de dinheiro público que verificamos", diz Hage.

Na verdade, não é de hoje que se conhece o potencial de devastação das verbas públicas que têm as emendas individuais ao orçamento. Em 1993, isso já tinha sido verificado pela CPI dos Anões do Orçamento. Num primeiro momento, por determinação da CPI, acabou-se com as emendas individuais. Mas, depois, elas voltaram com força total. Hoje, viraram a parte sagrada da discussão do orçamento no Congresso. Cada parlamentar possui uma cota de R$ 13 milhões para apresentar as suas emendas. E, pelo acordo tácito feito no Congresso, elas são acatadas no relatório final sem discussão. O resultado final dessa festa é que, nos ministérios preferidos dos parlamentares, a maioria do orçamento para investimentos acaba sendo formado pelo dinheiro das emendas individuais. No caso do Ministério do Turismo, por exemplo, se o ministro resolvesse se recusar a liberar recursos para as emendas, ele praticamente nada executaria durante o ano.

"Esses três casos maiores que verificamos de desvio de verbas a partir das emendas têm muitos pontos em comum. E a verdade é que, infelizmente, têm também vários personagens em comum", diz Jorge Hage, sem citar nomes de parlamentares. "Essa não é a nossa tarefa. Essa é tarefa do Ministério Público e da Polícia Federal, que passa a trabalhar a partir dos indícios que encontramos", completa. O que se verifica é que o parlamentar, ao elaborar a sua emenda, já tem em mente (ou mesmo indica) quem receberá o recurso. A prefeitura contrata tal empresa ou instituição. A obra é superfaturada ou feita de forma maquiada para sobrar recursos. E assim segue o esquema.

No caso da máfia das ambulâncias, o esquema tinha caráter nacional. Empresas dividiram o país. Em cada região, as ambulâncias eram compradas de uma determinada empresa, sempre com superfaturamento. Na João de Barro, o esquema foi mais concentrado em Minas Gerais. E, "agora, verifica-se uma concentração do esquema do Turismo em Goiás. No caso do Turismo, Jorge Hage verifica uma volta a um procedimento semelhante ao que era praticado na década de 90 pelos anões: a criação de entidades fantasmas. Na época, para receber o que chamavam de subvenções sociais, agora, para, supostamente, realizar eventos. Para tanto, são criadas Organizações Não-Governamentais (ONGs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips).

Fábrica de Oscips

"Ficou algo tão lucrativo que descobrimos a existência de fábricas de ONGs e Oscips", conta Hage. A fábrica de ONGs e Oscips descoberta fica na cidade de Alto Paraíso, em Goiás, até então um pequeno município próximo à Chapada dos Veadeiros famoso por abrigar comunidades hippies e esotéricas. Ao fazer um levantamento nacional das Oscips, a CGU verificou a existência de 5,4 mil organizações desse tipo em todo o país. Cidades e regiões maiores tinham, naturalmente, mais Oscips. A maior concentração ficava em São Paulo: 400 Oscips. Foi nessa verificação que Alto Paraíso chamou a atenção: um município de apenas 6,8 mil habitantes registrava a existência de 11 Oscips.

Mais estranha ficou a coisa quando se verificou que todas elas tinham como presidente a mesma pessoa, Aline Aparecida Brazão. Mais um aprofundamento verificou que Aline era ou tinha sido presidente de nada menos que 45 diferentes Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.

Ao lado de Aline, a CGU encontrou uma empresa, a Vieira Consultoria, que em seu site anuncia sem qualquer constrangimento: "Oscip já aprovada – Compre sua Oscip já aprovada e comece a operar imediatamente". Com uma identidade falsa, os auditores da CGU entraram em contato com Antônio Vieira, o diretor da Vieira Consultoria. "Sr. Vieira, conforme combinado por telefone, peço-lhe que me envie os dados da Oscip e a minuta do contrato de transferência o mais rápido possível (...). Se possível, me repasse novamente o procedimento para a transferência, tais como valores, formas de pagamento (...). Ah, se puder, me passe o contato da associação que o senhor mencionou que presta consultoria para a captação de recursos", diz o e-mail que a CGU enviou para Vieira, com o nome de Evandro Morais.

"Prezado senhor, temos uma única Oscip à venda, por R$ 22 mil à vista", respondeu Antônio Vieira. "Ou seja, virou um nicho de mercado", conclui Jorge Hage. "ONG é mais barato, Oscip é mais caro", detalha o ministro. "Infelizmente, estamos longe de conseguir chegar à necessária reformulação orçamentária que acabaria com as emendas individuais e daria fim a esses expedientes", diz Hage. "Assim, o que temos de ir fazendo é aumentar a fiscalização e eliminar as brechas pelas quais a verba federal se desvia".

Não é fácil. Hage reconhece que a destinação de dinheiro federal para festas e eventos é algo de "dificílimo acompanhamento". Mas regras estão sendo criadas para diminuir as possibilidades de fraude. Primeiro, a fiscalização in loco dos eventos sustentados com verbas do Ministério do Turismo aumentou de 15% para 35%. Os cachês dos artistas contratados foi limitado em R$ 80 mil. E os parlamentares têm sido obrigados a encaminhar um documento no qual se comprometem com a idoneidade das instituições indicadas por eles para receber os recursos. Assim, o deputado Sandro Mabel (PR-GO) comprometeu-se ao destinar R$ 300 mil para que a Premium Avança Brasil fizesse o Circuito Goiano de Rodeio. E o deputado Laerte Bessa (PMDB-DF) avalizou o Instituto Educar e Crescer ao dotá-lo de R$ 200 mil para a promoção do Turismo interno. "Eles não podem alegar que não conheciam as entidades. O governo tem os documentos nos quais eles indicam as instituições", alerta Hage.

A partir de janeiro do ano que vem, não será liberado dinheiro para entidades que não comprovem pelo menos três anos de serviços prestados sem qualquer irregularidade. Trata-se de uma portaria de 2008, que agora será finalmente posta em vigor.

Isso eliminará a fraude? Infelizmente, não. "O que se verifica é que, cada vez que se descobre um esquema e se fecham suas portas, migra-se para um outro esquema, migra-se para a exploração de outra brecha", comenta o ministro. A solução ideal seria o fim das emendas individuais. Que os parlamentares passassem a discutir grandes investimentos e obras nacionais e não perdessem tempo com as emendas paroquiais. Como, por enquanto, isso não acontecerá, o jeito é apertar a fiscalização.

Saúde na política

Jânio de Freitas

Temporão deixa a Saúde por seus méritos; a permanência dele não agrada a quem quer frequentar o ministério

A MAIOR RESISTÊNCIA que Dilma Rousseff está opondo às pressões partidárias, se comparada ao facilitário de Lula na formação dos dois governos, não impediu que ao final de suas escolhas se dê a ruptura com o avanço constatado por três dos atuais ministérios.

A ruptura está caracterizada na escolha de Alexandre Padilha, atual ministro de Relações Institucionais, para o Ministério da Saúde. A escolha atende não só aos critérios, sejam quais forem, de Dilma Rousseff mas também a numerosa corrente de parlamentares.

Muito explicável: na ponte que fez entre o governo e os congressistas, Padilha comprovou-se um político atento aos jogos da política e hábil para deles participar com agrado de parte a parte.

Em contraste, um dos muitos méritos de José Gomes Temporão no Ministério da Saúde foi ser, por todo o tempo e em todas as circunstâncias, apenas um médico na função de ministro. A política não entrou no Ministério da Saúde, onde jamais teve o que fazer de aproveitável. Sem hostilidades, sem negar atenção ao que pudesse merecê-la, a Saúde voltou-se só para a saúde.

Uma retomada mais duradoura, e mais difícil por falta de igual prestígio nos meios de comunicação, do período de Adib Jatene (este, interrompido porque o relevo do então ministro o credenciava à sucessão presidencial, quando os planos de Sérgio Motta e Fernando Henrique era obter o direito de reeleição).

Com o também médico Alexandre Padilha, a política volta a frequentar o Ministério da Saúde. E por melhores que possam ser as qualidades de Padilha como médico e como ministro, a inclusão da Saúde entre os instrumentos do jogo político é um fator contrário à saúde -o que explica muito da gravidade a que chegou esse problema no Brasil.

José Gomes Temporão deixa o ministério por seus méritos. O mérito da substituição é só o da clareza de que se dá porque a permanência do ministro não agrada aos que esperam frequentar o ministério.

NOS BILHÕES
As aberrações da armação financeira para a Copa no Brasil, expostas em admirável reportagem de Leandro Motta na CBN, são muito fortes. Ao Tribunal de Contas da União com seus novos propósitos preventivos, à Controladoria-Geral da União e à OAB só foi deixado um modo de não se verem cobrados, mais tarde. É agir já. Contra os abusos e as ilegalidades.

Ainda incompleto, o orçamento da Copa já está em R$ 17 bilhões. A isenção de impostos para tudo o que tenha alguma relação com a Copa do Munda -uma exigência da Fifa, como se tivesse autoridade para sobrepor-se à legislação brasileira- está estendida até a pessoas.

VENCIDOX
Derrotado na primeira instância, derrotado no recurso à segunda instância, Alexandre Machado foi agora derrotado no recurso ao Superior Tribunal de Justiça em processo que me moveu. Pretendia obter uma indenização, coerentemente, em dinheiro.

A pretensão de Alexandre Machado vem dos artigos que contribuíram para impedir a caríssima transação que trocaria o nome Petrobras para Petrobrax. Alexandrex Machadox, perdão, Alexandre Machado estava na Petrobras com Philippe Reichstull, aquele que, designado por Fernando Henrique para presidir a empresa, não segurou o espanto em público: "eu não entendo de petróleo". Nem tentou entender.

Os três a zero de minha defesa foram conquistados pelo advogado José Diogo Bastos, que assumiu a causa sem apresentar condição alguma.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

PT pós-Lula

Merval Pereira

artigo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem dito a amigos que está na hora de revermos uma antiga certeza na hora de analisarmos nosso sistema político, a de que o país não tem partidos organizados, e por isso as negociações são feitas pontualmente, de acordo com interesses fisiológicos ou de grupos.

Segundo ele, o país já tem um partido organizado organicamente, e este partido é o PT. Essa constatação de Fernando Henrique fica mais confirmada ainda quando se lê que os oito governadores do PSDB, seu partido, decidiram que não farão oposição ao governo Dilma, atrás das verbas que o governo federal pode distribuir aos estados.

Um dos feitos do PSDB na recente eleição, em que foi derrotado pela terceira vez consecutiva para a presidência da República, foi justamente ter sido o partido que mais governadores elegeu, especialmente mantendo o comando dos dois maiores colégios eleitorais do país, São Paulo e Minas Gerais, o que demonstraria sua força política.

Ora, se esses oito governadores abrem mão de fazer oposição, numa estratégia orquestrada pela direção nacional do partido, o que esperar?

Essa estratégia de neutralidade, aliás, já foi tentada durante os oito anos do governo Lula, e deu no que deu.

Os governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, passaram seus mandatos tendo uma atuação generosa com o governo central, num cálculo de aproveitar um bom relacionamento para obter favores federais que beneficiassem suas gestões estaduais.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Processo distorcido

Artigo
Merval Pereira

A briga no Congresso por vagas no ministério, da maneira como se dá, é uma deturpação dos valores do presidencialismo, e indica mais uma tendência ao patrimonialismo e ao fisiologismo do que propriamente uma disputa de poder, já que, na teoria, um parlamentar que vai para o ministério abre mão de exercer um papel efetivo como membro de um dos poderes da República para aceitar um papel secundário num outro poder.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A cara do governo

Deu no Correio Braziliense

Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

A reação de parte da imprensa às informações sobre a composição do governo Dilma é curiosa. Em alguns veículos, chega a ser cômica.

Outro dia, um dos jornais de São Paulo estampou em manchete que Dilma estava “montando o núcleo de seu ministério com lulistas”. O que será que o editor imaginava? Que ela fosse recrutar “serristas” para os postos-chave de sua administração?

Como ensinam os manuais do jornalismo, essa não é uma notícia. Ou será que algo tão óbvio merece destaque? “Cachorro come linguiça” não é um título para a primeira página. No dia em que a linguiça comer o cachorro, aí sim a teremos uma notícia (que, aliás, deverá ser impressa em letras garrafais).

Na mesma linha, um jornal carioca achou que era necessário alertar os leitores para o fato de que “Lula está indicando várias pessoas para o governo Dilma”. Em meio a estatísticas sobre quantos nomes já havia emplacado, a matéria era de franca desaprovação.

Na verdade, tanto nessa, quanto na manchete do jornal paulista, estava implícita quase uma denúncia, como se um duplo mal-feito estivesse sendo cometido. Por Lula, ao “se meter” na formação do novo governo, ao “tentar interferir” onde, aparentemente, não deveria ter voz. Por Dilma, ao não reagir à intromissão e o deixar livre para apontar nomes.

Quem publica coisas assim dá mostras de não ter entendido a eleição que acabamos de fazer. Não entendeu como Lula, seu principal arquiteto, a concebeu, como Dilma encarnou a proposta, e como a grande maioria do eleitorado a assimilou.

Tudo mundo sabe que, quando Lula formulou o projeto da candidatura Dilma, a ideia central era de continuidade: do governo, de suas prioridades, de seu estilo. Ele nunca disse o contrário e insistiu no uso de imagens que caracterizavam, com clareza, o que ela representava. Para que ninguém tivesse dúvidas, chegou a afirmar que votar em Dilma era a mesma coisa que votar nele. Foi explícito nos palanques, nas declarações, na televisão.

Dilma sempre falou a mesma coisa. Mostrou-se à vontade como representante de Lula e do governo, seja por sua lealdade para com o presidente, seja pela boa razão de que o governo era dela também. Apresentar-se ao país como candidata de continuidade nunca a deixou desconfortável, pois significava defender aquilo a que havia se dedicado nos últimos oito anos.

Isso foi bem entendido pelos eleitores. Desde o primeiro momento e até o fim da eleição, as pessoas olharam para Dilma sabendo qual era a natureza de sua candidatura. Muitas descobriram suas qualidades pessoais, mas o núcleo da decisão de votar em seu nome foi outro, como mostraram as pesquisas.

Ninguém votou em Dilma para que o “dilmismo” vencesse o “serrismo”. Só quem quis que a eleição fosse essa foi o próprio Serra, que sabia que perderia se o foco da escolha se alargasse, se os eleitores olhassem para o que cada candidato representava e não se limitassem a fazer a velha comparação de biografias.

Agora, quando Dilma escuta Lula na montagem do governo, ela apenas cumpre a promessa fundamental de sua candidatura, a razão principal (para alguns eleitores, a única) dela ter sido votada. Quando dá mostras de que manterá ministros e dirigentes, faz apenas o natural. Se, por exemplo, se comprometeu durante a campanha com a preservação de determinada política, porque razão não seria adequado que o responsável permanecesse?

O governo que está sendo organizado terá a cara da continuidade, política e administrativa. Terá a cara de Lula, do PT e das outras forças partidárias que venceram a eleição. Terá a cara da atual administração, que é aprovada pela maioria da sociedade. Terá a cara de Dilma, pois é ela que o chefiará.

É isso que foi combinado com o país.