quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A regulação da mídia

Do Valor

Governo proporá regulação da mídia

Esta semana reúne-se, pela primeira vez, o grupo ministerial constituído por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para formular, até o fim do ano, o projeto de lei do marco regulatório da Comunicação e da Telecomunicação, uma proposta a ser entregue, completa, ao próximo governo. O grupo é enxuto, presidido pela ministra Erenice Guerra, da Casa Civil, conta com o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, o advogado geral da União, Luis Inácio Adams, e o ministro das Comunicações, José Artur Filardi. Apenas o último não tem gabinete na Presidência da República. Portanto, não se tem dúvidas sobre com que autorização e força nascem os debates e propostas a serem ali produzidos.

Ao longo dos meses, quem quiser pode dar sua contribuição, qualquer ministério, qualquer interessado, tal é a vastidão e complexidade das normas a serem analisadas. O ministro Franklin Martins viajou na semana passada à Europa para contatos em torno de duas questões. Uma, a implantação de um Projeto Internacional de TVs Públicas para os países de língua portuguesa, uma iniciativa totalmente feita em parceria com Portugal, que tem a melhor experiência internacional nesta área. Outra, fazer contatos com as agências reguladoras de Comunicação e Telecomunicações, conhecer sua experiência e convidá-las para um seminário que o governo brasileiro promoverá, em novembro, sobre regulação da radiodifusão e telecomunicações em ambiente de convergência de mídia.

O seminário, com a exposição da experiência dos diferentes países - e todos as têm, segundo relata o ministro - alimentará a discussão do assunto no Brasil.

O maior obstáculo ao avanço do debate, segundo se pode constatar nos comentários que o ministro faz sobre o assunto, é a confusão entre a regulação e o controle social da mídia, este interpretado como censura.

A regulação, cita o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, é o que vai garantir a concorrência, a competição, a inovação tecnológica, o atendimento aos direitos da sociedade à informação. É para isto que essas normas existem nos Estados Unidos, na França, na União Européia inteira.

Em alguns países, há uma agência reguladora para Telecomunicações e outra para a Radiodifusão. Em outros, há uma agência para regular os aspectos técnicos e outra para o conteúdo dos dois setores. E num terceiro grupo, onde está a Inglaterra, uma agência só regula os aspectos técnicos e de conteúdo tanto das Teles como da Radiodifusão.

A resistência que o governo encontra, no Brasil, à regulação desse setor, se deve, segundo Franklin, à introdução de conteúdo ideológico a uma discussão que não deveria ser por ele contaminada. "Acham que regulação é um atentado à democracia, é o contrário, é parte da garantia de competição, de igualdade de direitos, da capacidade de inovação, da massificação dos serviços e do direito da sociedade à informação", diz o ministro. Uma regulação, lembra, que existe em toda atividade, e deve existir mais ainda onde há concessão do governo. "Existe na aviação, no transporte público, no sistema financeiro".

Entramos, nesta parte das considerações, no risco de isto abrir caminho legal para o "controle social da mídia", um eufemismo para a censura, domínio de corações e mentes por parte de funcionários do governo. O ministro, primeiro, impacienta-se, tantas vezes já ouviu esses temores: "Vão dizer que é controle de qualquer jeito, não querem nenhum tipo de regulação; isto é igual à distribuição de renda, você não quer que distribua a sua mas pode distribuir a dos outros". Para, em seguida, argumentar que está alertando para um outro tipo de risco, este a seu ver bem real. E tem feito isto há muito tempo, desde a Conferência de Comunicação, a Confecom, que reuniu movimentos sociais, empresários e governo, da qual se ausentaram as grandes redes de TV e os grandes jornais do país, por verem ali muito instrumento de aprovação dos controles e pouca democracia. "O governo é contra o controle social da mídia", declara o ministro. E explica os propósitos da iniciativa: "É inevitável haver regulação em um processo de convergência de mídia. Se não houver, vai valer a lei do mais forte". E não há dúvidas sobre quem é o mais forte no caso.

Franklin cita dados de 2008: o faturamento de todo o setor de radiodifusão foi de R$ 11,5 bilhões, e o da telecomunicação foi R$ 130 bilhões. "Se não houver uma pactuação, uma regra transparente, vai valer a lei do mais forte. Estão convergindo para o fio da navalha".

O governo, na sua opinião, acha que a radiodifusão, em país de tantas desigualdades, cumpre um papel social relevante e precisa de um suporte de preservação, "não pode haver um ambiente em que ela vá para o tudo ou nada".

As duas regulações, separadas, já existem no Brasil, mas estão defasadas, assinala o ministro. O Código Brasileiro de Telecomunicação é de 1962, "quando não existia sequer TV a cores". E na parte de telefonia houve uma atualização em 1997, no governo Fernando Henrique., com a Lei Geral das Telecomunicações.

O ministro desqualifica, taxando-as de ideológicas ou preconceituosas, todas as críticas que atribuem a estas iniciativas a intenção de fazer o controle social da mídia. "Não foi aprovada nenhuma proposta sobre controle na Confecom, a maioria dos movimentos sociais não defendeu isso, o governo não quer. De outro lado, a regulação tem que ser discutida, não dá para fazer desse processo uma conversa de gabinete".

Quanto à criação da TV Internacional para reunir experiências de TV Pública de Língua Portuguesa - Angola tem, Moçambique também, só Portugal tem a RTP 1, a RTP2 e a RTP África - já foi objeto de memorandos entre os dois países, assinados terça-feira da semana passada em Portugal. Será feito um projeto e passarão, em seguida, à discussão de procedimentos entre a EBC, brasileira, e a RTP, portuguesa, sobre programação (jornalismo, talk show), operação, sede, financiamento. Na previsão do ministro que conduz as negociações, em mais ou menos um ano será possível ter esta TV no ar. Uma certeza é que não será constituída empresa para isto: "É um negócio leve, uma espécie de convênio entre diferentes empresas de TV Pública".

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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