Enviado por luisnassif, ter, 31/08/2010 - 13:00
Do Valor
Campos reconstrói carreira sob a bênção de Lula
Murillo Camarotto, do Recife
31/08/2010
"Minha Nossa Senhora, mas eu nunca vi tanto partido junto". Em tom propositadamente jocoso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou assim os cumprimentos às muitas lideranças políticas presentes ao comício organizado para ele e Dilma Rousseff (PT) na última sexta-feira, no centro do Recife. O objetivo do comentário era agradar o anfitrião da festa, Eduardo Campos (PSB), a quem Lula chamara minutos antes de "governador reeleito de Pernambuco", antecipando o resultado das eleições que se aproximam.
Beirando os 70% das intenções de voto na disputa à reeleição, Eduardo Campos vive, aos 45 anos, o ápice de sua carreira, iniciada no final dos anos 80 à sombra do avô e três vezes governador de Pernambuco, Miguel Arraes. O desempenho nas pesquisas e o título de governador mais bem avaliado do país, revelado em julho pelo Datafolha, o colocam na vitrine nacional, de onde não pretende sair.
Foi uma ascensão paulatina desde 1996 quando frequentou o noticiário nacional por ter sido acusado de irregularidades na emissão de R$ 480 milhões em títulos do Tesouro Estadual, caso que mais tarde ficou conhecido em todo o país como o "Escândalo dos Precatórios", e que também envolveu a Prefeitura de São Paulo e o governo de Santa Catarina.
pNa época com 31 anos, Campos era deputado federal licenciado e ocupava a Secretaria de Fazenda de Pernambuco na terceira gestão de Arraes (1994-98). A acusação era de que os títulos haviam sido emitidos em valor muito superior ao da dívida com precatórios, e que os recursos levantados foram gastos com outras despesas, o que a lei não permitia. Houve, inclusive, acusações de desvio da verba para campanhas políticas do PSB, o que não foi provado.
Absolvido em 2003 pelo Supremo Tribunal Federal, por falta de provas, Campos carregou durante anos a cruz dos precatórios. Herdeiro da habilidade articuladora de Arraes, porém com um tempero mais liberal, ganhou a confiança de Lula e angariou apoios em série. Hoje, sua chapa à reeleição abriga 15 partidos, o triplo de 2006, quando foi eleito.
Entre os aliados de agora há uma vasta lista de políticos que marcaram por anos a direita conservadora pernambucana, casos do ex-governador Joaquim Francisco (PSB), do deputado federal Inocêncio Oliveira (PR) e do ex-presidente da Câmara Federal Severino Cavalcanti (PP). "O Inocêncio está conosco desde o primeiro turno de 2006, quando tínhamos 6% nas pesquisas", justifica Sileno Guedes, presidente do Porto do Recife, amigo de longa data e fiel escudeiro de Campos.
Um dos principais críticos do governo Arraes durante o caso dos precatórios, o deputado federal Paulo Rubem Santiago (PDT), também está no palanque do governador, de quem foi colega na Câmara entre 2003 e 2007. "Era um deputado mais articulador e menos de rompantes na tribuna", lembra o parlamentar. Segundo ele, Campos teve papel fundamental na manutenção da governabilidade de Lula, o que acabou gerando o convite para o Ministério da Ciência e Tecnologia, em 2004.
Como titular da pasta, o governador destaca entre suas principais ações a revisão dos programas espacial e nuclear, além da articulação para a aprovação do programa de Biossegurança, que permite a utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa. Também reivindica a aprovação da Lei de Inovação Tecnológica. Segundo pessoas próximas, ele mantinha boa relação com o núcleo duro do governo, casos de José Dirceu e Antonio Palocci, porém "sem maiores intimidades".
De olho nas eleições de 2006, deixou o ministério em julho de 2005. Antes, no entanto, ajudou Lula a apagar no Congresso os incêndios resultantes do mensalão. Segundo Santiago, na ocasião o governador negociou com os deputados descontentes do PT uma migração em bloco para o PSB, com vistas a mantê-los na base de apoio a Lula. Mais tarde, testemunhou a favor de Santiago quando o PT queria tomar-lhe o mandato por infidelidade partidária. "Foi ali que houve a reaproximação política", conta o parlamentar.
Para o cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco, o período do primeiro mandato de Lula foi "o pulo do gato" de Eduardo Campos. Segundo ele, a gestão no ministério e as articulações na Câmara renderam ao governador grande apreço do presidente, que já gostava bastante de Arraes.
Com a morte do avô, em agosto de 2005, Campos herdou a presidência nacional do PSB e ganhou poder de fogo nas articulações. O primeiro grande fruto da amizade com Lula foi a garantia do apoio presidencial em 2006, independente da presença do PT na disputa, o que acabou ocorrendo.
Líder durante a maior parte da campanha, o ex-ministro da Saúde Humberto Costa (PT) sucumbiu às denúncias de participação na Máfia dos Vampiros, das quais acabou inocentado. Campos saiu de um discreto terceiro lugar para o Palácio do Campo das Princesas.
Ainda durante o segundo turno, disputado contra Mendonça Filho (DEM), o governador se aproximou do Movimento Brasil Competitivo, liderado pelo empresário Jorge Gerdau. A ideia era implantar na administração estadual os métodos de gestão promovidos pelo instituto, baseados no espírito empresarial de definição e perseguição de metas.
Eleito com 2,63 milhões de votos, Eduardo implantou o modelo em diversas áreas da administração, especialmente na segurança pública, o que lhe rendeu uma imagem de gestor moderno, principalmente entre as classes mais abastadas de Pernambuco. No Estado, a taxa de homicídios caiu 12% nos últimos quatro anos.
Entre os mais pobres, pegou carona na popularidade de Lula e no dinheiro federal, especialmente com a chegada das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O grande volume de empregos gerados com a consolidação do Complexo Portuário de Suape é um dos principais cartões de visita de Campos, apesar de também ser reivindicado pelos antecessores, que ajudaram na construção do projeto.
Para Santiago, o governador não podia ter chegado ao poder em melhor hora. Ele lembra que foi justamente no segundo mandato que Lula encerrou a temporada de ajustes e engrossou os investimentos. "Acho que houve uma coincidência feliz. Isso trouxe valor agregado ao governo de Eduardo. Pode-se dizer que os astros se juntaram no firmamento", afirmou o parlamentar.
Na mesma linha, Velho Barreto analisa o cenário favorável que Campos encontrou. "Eduardo teve a seu favor o que a história negou a Arraes: alinhamento absoluto com o governo federal. Ele teve condições de governar muito diferentes, para não dizer opostas, às que teve Arraes", afirmou o cientista. O avô foi governador pela terceira vez durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. E a relação foi conflituosa, a começar pelas críticas às privatizações. À época, os pernambucanos queixavam-se de que o Ceará de Tasso Jereissati era privilegiado pelo governo federal.
"É resultado do trabalho, da capacidade de juntar pessoas, juntar apoios. Ninguém tem uma avaliação com essa se a população não entender que se trabalhou duro", resume Campos sobre seu momento.
No campo político, a parceria com Lula também foi fundamental. O rearranjo nacional das forças políticas em torno do presidente ajudou Eduardo a atrair apoios e praticamente dizimar a oposição em Pernambuco. "O governo bem avaliado atrai, ainda mais com um presidente como Lula do lado. O governo federal tratou alguns com mesa farta e isso facilitou a vida de Eduardo por aqui", avalia Santiago.
Com status de super poderoso, Campos dificultou muito a vida da oposição. Contou com as vistas grossas do presidente do PSDB, Sérgio Guerra (ex-PSB), e trouxe para o palanque governista nada menos que 14 dos 17 prefeitos tucanos de Pernambuco. Pelo menos formalmente, o PSDB ainda integra a chapa de apoio ao senador Jarbas Vasconcelos (PMDB), que assumidamente tenta a contragosto o terceiro mandato de governador.
Principal adversário e desafeto de Eduardo, Jarbas foi importante aliado de Arraes. No entanto, pouco antes das eleições para a Prefeitura do Recife, em 1992, o senador se negou a aceitar Eduardo Campos, então com 27 anos, para ser seu vice na disputa. Desde então, os dois nunca mais se falaram. O governador não esconde o desejo de devolver a sonora derrota de Arraes para Jarbas em 1998, quando o caso dos precatórios foi fartamente utilizado na campanha.
Jarbas, frequentemente taxado de "raivoso" por Campos, classifica o governo rival de midiático. Para ele, o governador extrapola na divulgação de feitos positivos e varre para debaixo do tapete o que vai mal. "É um governo de mentira", diz.
Eduardo, aliás, enfrentou recentemente dois episódios que apontaram sérios indícios de irregularidades e que não foram esclarecidos a contento. No final do ano passado, vieram a público denúncias de superfaturamento na contratação de shows promovidos pela Secretaria de Turismo. O secretário da pasta, Silvio Costa Filho (PTB), caiu e o caso segue em aberto.
Neste ano, a imprensa local denunciou indícios de um desvio milionário na Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) durante a contratação de empresas promotoras de eventos. O governador, que se irrita facilmente com temas espinhosos, falou apenas que haveria apuração e que eventuais irregularidades seriam punidas. Também ficou por isso mesmo.
Noves fora, Campos navega em águas tranquilas para mais um mandato, de onde poderá pavimentar a pista para uma decolagem rumo à Brasília. Muito provavelmente, o PSB terá maior influência no centro decisório do Planalto, recompensa pela implosão da candidatura do deputado Ciro Gomes à Presidência, que teve a mão decisiva de Eduardo.
Com trânsito entre líderes tucanos importantes, como Aécio Neves (MG) e Beto Richa (PR), ele deverá ter papel importante nas articulações diante de um governo Dilma com PMDB turbinado. Para Velho Barreto, Eduardo Campos tem, de fato, o perfil para assumir essa função. "Eduardo tem uma visão mais liberal da política. Acho que a afinidade com Arraes é muito mais afetiva do que no modus operandi político".
Nenhum comentário:
Postar um comentário