Campanha das ambiguidades (Editorial)
Dada a força de sua popularidade, o presidente Lula paira sobre a campanha, pois, para o lulismo, eleger Dilma Rousseff é conquistar o terceiro mandato consecutivo acertadamente proibido pela Constituição. Se isto acontecerá na prática, não se sabe. Afinal, criaturas costumam ganhar vida própria longe do alcance do criador, quando assumem o poder.
Lula também tem forte presença na campanha do tucano José Serra, de forma paradoxal: pela força que o candidato faz para tirá-lo da disputa, em proporção inversamente proporcional à executada por Dilma para apresentar-se como garantidora da continuidade.
Tem razão o ex- governador de São Paulo quando disse à bancada do JN, William Bonner e Fátima Bernardes, que “não se governa da garupa”. Ou seja, engana-se quem vota em Dilma pensando reeleger Lula. Nunca é a mesma coisa, indica a experiência.
Mas o tucano padece de séria ambiguidade ao optar por falar mal do governo — na Saúde, na infraestrutura, na falta de investimentos em geral — sem criticar o chefe dele. Parece desafio de equilibrista de circo — pode arrebatar plateias ou não.
Ambiguidade semelhante atinge a verde Marina Silva, petista e ministra de Lula até outro dia, e que resolveu sair do governo depois de ter os espaços tolhidos pela poderosa ministra Dilma Rousseff, conhecida por não dar trela a ambientalista, tamanho seu ardor pelo desenvolvimentismo. A conversão ambiental de Dilma viria depois, e até hoje não se sabe se foi por conveniência eleitoral ou convencimento intelectual.
Serra evita colidir com Lula, Marina faz o mesmo com Dilma. Sequer critica o descaso do lulismo com o meio ambiente . O tucano pelo menos aponta para as “estradas da morte” etc. Assim, Marina Silva corre o risco de não se firmar como “terceira via”, por falta de contraste.
Outro ponto comum às três entrevistas ao JN é a mazela da baixa qualidade das alianças político-partidárias — delas em si e dos métodos empregados para selá-las.
Perguntada sobre o convívio do PT com antigos e execrados adversários — Collor, Renan Calheiros, Jader Barbalho, entre outros —, Dilma Rousseff respondeu que o partido passou a admitir essas companhias, mas “nos termos” ditados por ele. Há controvérsias.
Já o ex-governador de São Paulo, na tentativa de defender representantes do mensalista PTB na base de sua campanha, utilizou o risível argumento de que o PTB que o apoia é o de São Paulo. Preferiu esquecer que o denunciante e também beneficiário do mensalão, deputado petebista cassado Roberto Jefferson, foi quem adiantou a escolha de Índio da Costa para vice tucano pelo twitter, numa demonstração de intimidade.
Marina, por sua vez, com menos telhado exposto a pedradas — embora também existam nele telhas de vidro — parte para um proposta sonhadora no atual estágio da política brasileira: governar com os melhores do PSDB, PT e DEM.
É claro que a costura de alianças se tornará mais fácil, menos penosa para quem se preocupa com a ética, à medida que a Ficha Limpa surta resultados concretos. Também facilitará se a questão da cláusula de barreiras voltar à agenda do Congresso.
Mas, mesmo sem maiores alterações de legislação, é possível, a partir de uma postura política séria, atenuar a fisiologia nessas barganhas. Depende do próximo presidente.
Espera-se, agora, que a propaganda eleitoral dita gratuita, que se inicia terça-feira, preencha os inúmeros vazios que persistem no discurso dos candidatos.
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