Comunidade dos Palmeiras, onde o banco foi fundado há 12 anos, foi transformada pelo microcrédito e tem até pousada turística
Fonte: Olívia Alonso,
iG São Paulo
A comunidade dos Palmeiras, em Fortaleza, inaugurou no último mês sua primeira pousada, a Palma Tur. O estabelecimento, mais do que uma simples pousada, simboliza o desenvolvimento de uma comunidade trasnformada pelo microcrédito. No início da década de 1990, a localidade de 32 mil habitantes não passava de uma região paupérrima, com a população vivendo em barracos, sem sanealmento, escolas e eletricidade.
Hoje, os moradores produzem lá mesmo quase tudo o que consomem. Os níveis de criminalidade caíram, a renda aumentou e já há tantos interessados em conhecer o exemplo que a pousada foi necessária. Esse é o resultado dos esforços de toda uma comunidade que aprendeu a fazer a riqueza circular internamente, liderada pelo ex-seminarista Joaquim Melo.
“As pessoas vinham nos visitar e ficavam no centro de Fortaleza, o que não combinava com a nossa lógica de produção e consumo local”, conta Melo. A diária da PalmaTur custa R$ 25 e inclui café da manhã, segundo o ex-seminarista. Há 12 anos, em 1998, ele fundou o banco comunitário Palmas, cujo objetivo era de conceder microcrédito para a população local.
Na ocasião, foi criada também uma moeda social, chamada de “palmas”, que só circula entre os moradores e comerciantes locais, de forma a forçá-los a consumir o que é vendido ali e fazer a economia girar. “Fui para o Palmeiras em uma missão de padres. Chegou uma hora em que eu estava tão comprometido com as lutas do bairro, que achei que eu tinha muito mais forma de contribuir se ficasse aqui do que se me tornasse padre. Não existe só uma forma de a gente servir a Deus”, afirma.
Com um primeiro apoio de R$ 2 mil, de uma organização não governamental do Ceará, o Banco Palmas começou a emprestar dinheiro para os pobres, a exemplo do que fez em Bangladesh o banco Grameen, liderado por Muhammad Yunus, prêmio Nobel da Paz em 2006 por seus esforços para o desenvolvimento social e econômico por meio do microcrédito.
Cédulas de palma, a moeda social do Banco Palmas, Ceará
Em Palmeiras, antes da chegada de Joaquim Melo, a população se dizia pobre e não via meios para se desenvolver. Uma tarde, ele chamou os moradores para a rua e mostrou a eles que, na verdade, não eram pobres, mas deixavam escoar para fora da comunidade todo o dinheiro que possuiam.
“Peguei um balde furado, rolhas, bolinhas de isopor e uma caneta. Então perguntei quem era pedinte, quem era aposentado, quem era guardador de carros. Conforme me respondiam, eu escrevia os nomes nas bolinhas de isopor e colocava no balde. Depois perguntei onde compravam cada coisa que consumiam, desde a pasta de dentes, alimentos, até as roupas. A medida que me diziam – sempre locais fora da comunidade – eu retirava as rolhas e as bolinhas caiam no chão e rolavam para longe.” Foi com essa analogia que Melo conseguiu convencer as pessoas a produzir e consumir internamente, para não deixar as poupanças escaparem.
Os primeiros recuros do Palmas foram emprestados a cinco pessoas: um peixeiro, uma fabricante de sandálias, uma artesã, um comerciante de um mercadinho e uma costureira, que utilizaram os créditos para seus negócios. “Depois começamos a conseguir doações de R$ 5 mil, R$ 10 mil, R$ 15 mil. Até 2005, caminhamos com a ajuda de fora”, conta Melo. No entanto, há cinco anos o banco começou a deslanchar, a partir de uma linha de crédito de R$ 1 milhão fechada com o Banco do Brasil.
Até 2009, cerca de R$ 5 milhões já haviam sido emprestados pelos 51 bancos comunitários brasileiros, segundo levantamento do instituto. A maior parte pelo Palmas. Além deste, todos os demais foram criados e certificados pelo Instituto Palmas, associação apoiadora dessas instituições e coordenada por Melo.
Segundo ele, os outros bancos foram fundados porque o Palmas deu certo. “Conseguimos recursos do Ministério do Trabalho e fomos fundando os outros, ele conta. “Na prática, atendemos a pessoas que não teriam chances nos bancos de varejo oficiais”, acrescenta.
Hoje, alguns já são sustentáveis, como o Banco dos Cocais, no Piauí, e Banco Bem, no Espírito Santo. “Eles mostram que, na prática, é possível fazer um novo sistema financeiro baseado na cooperação e na solidariedade”, afirma Melo.
Os créditos concedidos por esses bancos podem ser para consumo – em moedas sociais – ou para produção – geralmente em reais. Quando concedem crédito nas cédulas locais, muitos bancos não cobram juros. Em reais, é preciso que a taxa seja a mais baixa possível, segundo Melo. No caso do Palmas, o juro depende da captação e varia de 1,5% a 3% ao mês. “É a lógica de distribuição de renda, quem tem menos paga menos, quem tem mais paga mais. Essa é a lógica do banco comunitário”, afirma.
Outra característica dos bancos comunitários é transparência. Todos conseguem ver na internet o quanto cada morador tomou emprestado, e a análise de crédito é feita com base em pesquisas com quem pede o crédito e a vizinhança, conta Melo.
Recentemente, o BNDES aprovou outros R$ 3 milhões ao Instituto Palmas, segundo Melo, que estima ser necessário um investimento de R$ 60 mil para a criação de um banco comunitário no País. A meta do ex-seminarista – formado em teologia - é de chegar a dois mil bancos comunitários no Brasil. Outra conquista recente é a ajuda da organização indiana Mahiti, de Bangalore, que criará para um sofware livre para o microcrédito brasileiro. Ainda aguardado pelas instituições, outro incentivo é a possibilidade de a Casa da Moeda do Brasil imprimir suas cédulas sociais, o que contribuiria para o corte dos custos.