25/05/2010
Dora Kramer, de O Estado de S.Paulo:
De tanto transgredir, reincidir e alcançar resultados práticos a ponto de levar seus adversários a aderir à lógica de que os fins justificam os meios, o presidente Luiz Inácio da Silva acabou por transformar as críticas à sua conduta em uma condenação implícita à Lei Eleitoral.
Ganha corpo um debate nos seguintes termos: não é bem o presidente que está errado ao desafiar a lei, mas a lei é que está equivocada ao se confrontar com a realidade e pretender controlar o incontrolável com a campanha eleitoral já em pleno desenrolar.
Considerando que a partir da aceitação desse tipo de premissa fica impossível discutir qualquer coisa com um grau razoável de bom senso, pois o raciocínio serve para a questão eleitoral ou para qualquer outra e parece nítida a deformação do silogismo por cultivado na anarquia, passemos a outro aspecto legal desse cenário de transgressões.
O artigo 37 da Constituição Federal, o primeiro do capítulo da Administração Pública "direta, indireta" diz que qualquer dos Poderes da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá em seus atos a uma série de princípios sendo que entre eles o primeiro listado é o da legalidade.
"Qualidade ou estado do que é legal, do que está conforme com ou é governado por uma ou mais leis" (Antonio Houaiss).
Irrealista ou não ao juízo de alguns autores, não pode haver dúvidas de que a Lei Eleitoral é uma lei. Portanto, quem a infringe comete uma ilegalidade, ferindo o princípio estabelecido na Constituição para agentes públicos.
O Tribunal Superior Eleitoral por quatro vezes multou o presidente da República, mais recentemente fez o mesmo em relação ao ministro do Trabalho, ao prefeito de São Bernardo, ao presidente da Transpetro e ao presidente da Petrobrás, para tratar apenas dos ocupantes de postos previstos no artigo 37 da Constituição.
Esta não caiu em desuso nem é alvo da argumentação fora de foco que considera a Lei Eleitoral obsoleta face a uma circunstância específica, mas esquece que ela vigorou de 1997 até a última eleição sem contestação.
Tornou-se inadequada porque o presidente Lula resolveu antecipar a campanha e revogou a norma na marra. A Justiça Eleitoral aceitou até março deste ano a imposição dessa regra do jogo.
Mas, agora, é de se perguntar: estabelecida a ocorrência do ilícito, pode o presidente continuar a agir ao arrepio do princípio maior da legalidade seja qual for a lei transgredida?
Se for, substituiu-se em Dostoievski Deus pela Constituição e se conclui que tudo o mais é permitido.
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