Por Luís Fantacini
Do Valor
Dilma sobe e Serra cai
Por Alberto Carlos Almeida, de São Paulo
Lula apareceu um pouco ao lado de Dilma e Dilma subiu. Essa é a principal explicação para Dilma Rousseff ser o que ela é agora. Dilma nunca disputou uma eleição, nem para vereadora de Porto Alegre. Agora, em sua primeira eleição, uma disputada corrida em âmbito nacional, ela já se tornou amplamente conhecida e, em algumas pesquisas, está na frente de um político experiente e detentor de um longo e rico currículo.
O último cargo ocupado por José Serra é nada mais nada menos do que o de governador de São Paulo. Trata-se do Estado mais rico e populoso do Brasil. Só um cargo eleitoral tem mais valor do que o de governador de São Paulo: é justamente o de presidente do Brasil.
Tomando-se os dados de pesquisas eleitorais de janeiro de 2009 até hoje, é possível identificar momentos bem claros e definidos: a) Dilma cresce bastante de março a maio de 2009; b) ela fica estacionada entre maio e novembro; c) ela volta a crescer entre dezembro de 2009 e fevereiro de 2010; d) em seguida, fica novamente estacionada em março e abril, para e) voltar a subir agora em maio. Todos os momentos de subida de Dilma coincidem com sua aparição junto a Lula. No início de 2009 e na virada do ano, eles fizeram vários eventos conjuntos em numerosos Estados, neste mês eles apareceram juntos no programa político do PT. Não menos importante, convém lembrar que Dilma ficou parada nas pesquisas de intenção de voto entre maio e novembro, período em que ela se retirou do cenário eleitoral em razão do tratamento de câncer.
O PSDB e Serra enfrentam não apenas Dilma, mas, a julgar pelo padrão de crescimento desse marujo eleitoral de primeira viagem, enfrentam também Lula e um governo bem avaliado. Aliás, um governo muito bem avaliado cuja soma de ótimo e bom totaliza uma porcentagem em torno de 75, o que configura uma quase unanimidade. Diante de um adversário com tais características, convém não somente acertar, mas acertar muito.
Deve-se chamar a atenção para várias características importantes do adversário do PSDB: trata-se de um grupo político liderado por um presidente extremamente popular, que fala insistentemente para os pobres, que se comunica bem, com uma linguagem clara e direta, que trata de temas que dizem respeito à maioria das pessoas, que tem uma marca clara de defensor dos pobres, que é capaz de mudar e se adaptar pragmaticamente às situações novas. Esse pragmatismo e essa capacidade de aprendizado, diga-se de passagem, têm sido uma marca muito importante do PT desde 2002, quando Lula mudou radicalmente sua imagem para vencer aquela eleição.
O ano de 2002 não ficou marcado somente pela famosa “Carta aos Brasileiros”, mas pelo afastamento entre o PT e o MST, pela condenação cabal das invasões de terras, ocupações de prédios públicos e todo tipo de baderna que muito atrapalhavam a imagem de Lula. Além disso, Lula aparou o cabelo e a barba e passou a usar ternos alinhados.
O pragmatismo, a capacidade de aprendizado e de adaptação não pararam aí. Lula se tornou o presidente de esquerda e opositor de Fernando Henrique que manteve tudo o que foi feito por seu antecessor. Lula era um crítico do Bolsa Família, acabou duplicando o programa. Lula era contra o superávit primário, aumentou-o. Lula sempre foi um crítico ferrenho da política de juros altos para conter a inflação, esqueçamos o que ele dizia sobre isso, foi o que mais vimos em seu governo: juros altos para enfrentar o menor suspiro do antigo poderoso dragão.
A lista de adaptações é longa e não se restringe a Lula. Agora, quem mudou também foi Dilma. Sempre contrária a Antônio Palocci e sua política de responsabilidade fiscal, Dilma tem nele importante peça de sua equipe de campanha. Mais do que isso, a Dilma que era contra a autonomia operacional do Banco Central está mais reservada sobre o tema. A Dilma que era contra os juros elevados em nome de um suposto desenvolvimentismo também está escondida.
O que torna o PT, Lula e Dilma adversários difíceis para o PSDB e Serra não é a capacidade de aprendizado e adaptação dos primeiros, mas a dificuldade do PSDB e de Serra de fazerem o mesmo. Serra e o PSDB precisam falar para os pobres. Essa é a adaptação necessária. Os pobres não estão preocupados nem com a autonomia do Banco Central nem com a taxa de juros. Eles estão ligados na inflação e no fato de a prestação paga caber em seu orçamento. Os pobres não prestam atenção às relações complexas que existem entre controlar gastos, baixar juros, gerar desenvolvimento e com isso mais e melhores empregos. Os pobres estão, isto sim, saudosos do corte do IPI que possibilitou que comprassem e trocassem coisas com mais facilidade. É preciso adaptar-se a essa situação trocando o discurso técnico e relativamente difícil de entender por um discurso claro, direto, que atenda aos interesses dos pobres, aliás, a maioria de nosso eleitorado.
Há um script em busca de um ator, e esse ator pode ser justamente Serra e o PSDB. É o script da redução de impostos sobre o consumo e sobre a folha de pagamento. Trata-se de um discurso e de uma proposta que une Karl Marx a Adam Smith. É uma proposta de inspiração marxista porque melhora a vida dos pobres e reduz drasticamente as desigualdades.
A nossa carga tributária é uma jabuticaba fiscal. Os pobres pagam proporcionalmente mais impostos do que os não pobres. Uma compra de itens básicos, tais como escova de dentes, pasta de dentes, desodorante, fio dental, xampu, etc., como mostrei há um mês nesta coluna, corresponde a 9% do salário médio do brasileiro. A mesma compra feita nos Estados Unidos só abocanha 1,7% do salário médio do americano. Trata-se de uma enorme injustiça perpetrada contra nossa população pobre por meio de nossa carga tributária.
Dilma acabou de defender, surpreendentemente, a volta da CPMF. Igualmente ou mais surpreendente foi a incapacidade do PSDB e de Serra de se aproveitarem dessa que foi a pior proposta de Dilma até agora, a propósito, proposta esta que está no DNA da esquerda: defender o aumento de impostos. Eis o que seria o grande mote de campanha para o PSDB, para um PSDB que precisa aprender com Lula a se adaptar às novas circunstâncias.
A campanha de 2010 não tem um tema natural, não como foi a inflação em 1994 e 1998, o desemprego em 2002 ou o Bolsa Família em 2006. O tema latente no eleitorado, tema que Lula tem pouco para mostrar, a não ser uma redução perversa e temporária do IPI. Perversa justamente porque foi temporária.
É possível que a adoção da redução de impostos como principal tema de campanha, por parte do PSDB, possa vir a modificar a tendência apontada pelas pesquisas de crescimento de Dilma e queda de Serra. Aliás, diante de um governo tão bem avaliado é preciso um pouco de ousadia e, nesse caso, ousadia é sinônimo de adotar um tema genuinamente novo, já que o discurso básico sempre foi endereçado para as elites e nunca para os pobres.
Sugiro, portanto, que no próximo programa de TV do PSDB não seja mostrado o Serra que tem mais currículo político do que a Dilma. Isso o eleitorado já sabe e reconhece, vejam-se os dados. Isso não agrega um voto sequer a mais a Serra. O eleitorado já sabe que Serra é mais preparado para governar do que Dilma, mas isso não é nem nunca será o mais importante para dar vitória a este ou àquele candidato. Por exemplo, em abril de 2009, a proporção do eleitorado brasileiro que acha que Serra tem experiência administrativa é praticamente 20 pontos porcentuais maior do que a de Dilma, porém, isso não se reflete em vantagem equivalente na intenção de votos.
O eleitorado quer saber o que este Serra bem preparado tem para lhe oferecer em termos de melhoria de vida. Aí se encaixa perfeitamente a proposta de redução de impostos sobre tudo aquilo que é vendido dentro do supermercado (com exceção das bebidas alcoólicas e do cigarro). Imagine-se que o PSDB afirme que, de volta à Presidência, zeraria o PIS e o Cofins que incidem sobre esses produtos e, mais do que isso, articularia com todos os governadores a redução permanente do ICMS dos produtos vendidos em supermercado. A maneira de mostrar isso é fazer uma compra hoje em qualquer supermercado brasileiro e mostrar o carrinho na saída do mercado; mais tarde, compará-lo com outro carrinho de uma compra feita em março de 2011, depois de adotadas as medidas benéficas e necessárias de corte de impostos.
Isso seria um ato de ousadia e de adaptação.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de “A Cabeça do Brasileiro” (Record).
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