Tornou-se um lugar comum, na oposição, explicar as dificuldades de José Serra na campanha por um erro de estratégia. O que se diz é simples: Serra abandonou as referências históricas da oposição, fez uma adesão mal-disfarçada ao governo Lula (“o Brasil pode mais”) e quebrou a cara. O resultado poderia ter sido outro se ele tivesse sido fiel à história política do PSDB e quem sabe do DEM.
A idéia é que bastaria ao candidato retornar ao bom caminho para recuperar pontos junto ao eleitorado. Se essa mudança não for suficiente para vencer em 2010, pelo menos poderia garantir um acúmulo de prestigio para enfrentar a disputa de 2014.
Minha opinião é que essa análise é um simples exercício político de laboratório, sem relação com a realidade nem com os brasileiros de verdade. Expressa a mais nova ilusão de uma oposição que perdeu o contato com as grandes parcelas da população e prefere realimentar antigas convicções em vez de fazer uma avaliação concreta do que acontece no país e encarar seus próprios erros e limitações.
Não custa lembrar que, a rigor, a hipótese de retorno às origens já foi testada. Desde a escolha de Índio da Costa para vice de José Serra a oposição fez um ensaio nessa direção, com um discurso puro e duro. Com exceção dos interessados — aqueles que concordam com as idéias de Indio da Costa e aqueles que querem ferir José Serra desde já para dar um novo rumo na luta interna tucana — alguém duvida que tenha quebrado a cara?
Nós sabemos que é tentador confundir a realidade com os próprios desejos, em especial quando o mundo concreto de homens e mulheres não corresponde às proprias conveniencias políticas. É isso o que faz a oposição, quando imagina que o debate de 2010 pode ser resumido a um confronto de espertezas eleitorais e acredita, agora, que encontrou os espertos necessários para mudar o jogo.
Essa postura equivale a acreditar que nada aconteceu no país, nos últimos anos, e que seria suficiente bater no peito, lembrando feitos e tradições do passado para a oposição ser reconhecida por um eleitorado enganado pela propaganda oficial e por um presidente com grande talento marqueteiro.
O debate real é outro, porém. O Brasil das últimas duas décadas passou por mudanças importantes que apenas os fanáticos do autoengano são capazes de negar. Algumas mudanças foram iniciadas no governo FHC. Outras, se devem à iniciativas importantes do governo Lula. Um terceiro grupo tem origem comum.
De uma forma ou de outra, essa evolução consolidou-se no segundo mandato do PT no Planalto. Não é preciso falar em novo país, categoria carregada de misticismo. Mas eu acho que, para os brasileiros mais humildes, a vida tornou-se menos agressiva, menos áspera, menos desigual e, por que não?, um pouco mais civilizada. Nas pesquisas, eles dizem que não querem abrir mão disso. É por esse motivo, e nenhum outro, que têm dito que pretendem votar na continuidade do que está aí.
Não custa reconhecer que muitas mudanças são parciais. Nenhuma tem garantia até a eternidade. Mas os fatos são palpáveis. A população come mais, compra mais, acredita mais.
E é este o país que irá às urnas em 2010, assiste aos debates e escolhe os candidatos. Imaginar que essa população tem nostalgia pelo velho discurso da oposição, anterior às mudanças que experimenta em sua existência de cada dia, é acreditar que o brasileiro comum pode ter saudades de um tempo onde a vida era mais dura e o cotidiano gerava menos esperança. É uma visão pedante da luta política, pois sua base é a falta de contata com o cidadão real — mas isso parece não ter muita importância.
Como já disse várias vezes desde a derrota de Geraldo Alckmin, em 2006, desde o Plano Real a oposição deixou de falar com o povo.
Uma das lições dos regimes democráticos é demonstrar, periodicamente, que as opções políticos de um povo se resolvem pela experiência concreta dos cidadãos e não pelas especulações de grupos iluminados. Estes podem ter linguagem difícil, podem exibir uma retórica que impressiona — mas, apesar de tão cultos e tão inteligentes, às vezes nem percebem que já desceram do bonde da história. Este é o ponto e, não por acaso, os menos oposicionistas dos candidatos da oposição são aqueles que têm presença real na campanha de 2010.
Por que será?
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