A decisão do presidente do Superior Tribunal Militar, ministro Carlos Alberto Marques Soares, de colocar em um cofre inacessível o processo que levou Dilma Rousseff à cadeia ao tempo do regime militar, além de inconstitucional –, pois é documento público, não submetido a sigilo – encerra uma série de contradições.
Dilma, antes de mais nada, diz ter “orgulho” de seu passado de combatente do regime. Diz que não tem nada a esconder. Por que não toma, então, ela própria, a iniciativa de abri-lo ao público?
No Programa Nacional de Direitos Humanos 3, elaborado na Casa Civil da Presidência da República ao tempo em que era ministra-chefe – e depois incorporada ao primeiro programa de governo que registrou (e rubricou) ao TSE -, consta a determinação de abrir os arquivos da ditadura militar. Nada deve ficar oculto, é o que se diz.
De fato. Essa abertura já era antiga aspiração do PT – e do país -, independentemente de revisão da Lei da Anistia. É preciso conhecer os chamados porões da ditadura, todos concordam. Num deles, esteve Dilma Vana Roussef, testemunha privilegiada dos acontecimentos. Sua história, portanto, é parte indissociável da que ela, como signatária do PNDH 3, considera fundamental revelar.
Por que então concordar em que seu processo, que conta essa passagem heroica de sua biografia (de que ela diz se orgulhar) esteja sob sigilo (ilegal) num cofre de um tribunal militar, justo no momento em que o país, que pode elegê-la presidente da República, precisa (e tem o direito de) melhor conhecê-la?
O PT, e Dilma em particular, insiste reiteradamente em que é preciso revolver o passado. A pretexto disso, nos escassos debates e sabatinas de que participou – e nos comícios de que participa com Lula -, insiste em focar o governo FHC, para atribuir-lhe todas as mazelas do presente, omitindo, claro, os efeitos das benesses, decorrentes do Plano Real, Lei de Estabilidade Fiscal, Proer (o plano de estabilização dos bancos). Sem elas, não haveria os índices favoráveis do presente, inclusive na telefonia privatizada e na resistência à crise internacional, de que se jacta o governo Lula.
No debate da TV Bandeirantes, quando José Serra acusou-a de ter “um espelho retrovisor maior que o para-brisas”, insistiu em que é fundamental olhar para o passado. É verdade. E parte do seu – e parte fundamental, pois diz respeito à sua iniciação na vida pública – está oculta num cofre do STM, sem qualquer amparo legal.
O processo que a condenou correu sem sigilo de justiça e hoje é parte (até aqui sonegada) da história do país, já que a personagem em pauta é ninguém menos que uma candidata a presidente da República. Não se concebe que alguém que pretende governar o país tenha parte de sua biografia pública oculta.
Os movimentos de combate ao regime militar – armados ou não – integram a história contemporânea do Brasil e são fundamentais para melhor compreendê-la. Saber o que fez (e o que não fez) quem se apresenta para o maior cargo da República é vital. Não se trata de julgá-la novamente, mas de conhecer sua trajetória, até para melhor avaliar as mudanças que nela se operaram.
A Presidência é o coroamento de uma carreira, que tem início, meio e, no caso de ser eleita, apogeu. Forma um todo que não pode ser fragmentado, sob pena de surpresas que podem ter efeitos trágicos no futuro. O passado é importante, sim, como Dilma não se cansa de proclamar. Mas não apenas o dos adversários.
Deles – José Serra, Marina Silva e Plínio de Arruda Sampaio -, a propósito, sabe-se tudo, e o PT, com a quebra dos sigilos fiscais dos tucanos (e até da filha de Serra) – pretendeu saber até o que não estava legalmente disponível. E aí há outra contradição: violou o sigilo do que não devia (os dados fiscais dos adversários) e mantém sob sigilo o que não deve, o passado público de sua candidata.
O efeito inevitável é o de acirrar as piores suspeitas e dar curso às piores lendas que cercam sua militância em grupos armados –VAR-Palmares e Colina -, aos quais se atribuem crimes comuns e violentos.
Ruy Fabiano é jornalista
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