quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Era Lula no Vale do Itajaí

Investimentos sociais e infraestrutura defasada integram herança do presidente deixada à região


Oktoberfest de 2003. Blumenau receberia um presidente da República após 27 anos, e justo durante a festa que a projetou país afora. Administrado por Décio Lima, petista e amigo da família presidencial, o município preparou a atmosfera para que o chefe de Estado fosse recebido nos braços do povo. Naquele 3 de outubro o presidente entregou casas, aplaudiu o desfile na Rua XV de Novembro, bebeu chope, usou chapéu tirolês e brindou com o público nos pavilhões da festa. Só faltou a um compromisso: a inauguração de um monumento em sua homenagem, em frente ao Mausoléu Dr. Blumenau.

A peça, do artista plástico Guido Heuer, continua à beira da calçada, do outro lado da rua, e ali permanecerá por décadas, a depender da solidez dos 300 quilos de aço empregados. A partir do instante em que Luiz Inácio Lula da Silva descer a rampa do Palácio do Planalto, sábado, a obra recordará aos moradores do Vale do Itajaí um período de economia resistente feito aquele aço, fundida numa combinação de austeridade e pesados investimentos sociais. Revelará também uma era de avanços tímidos na infraestrutura, apesar das repetidas promessas de duplicação da BR-470, e de burocracia na reconstrução das áreas atingidas pela tragédia de 2008.

A Era Lula foi um tempo de governante presente: ao longo de oito anos, nove visitas à região (veja quadro abaixo). O presidente aqui esteve na bonança, em 2003, e na tempestade, em 2008. Naquele novembro, trouxe a expressão grave, afeto e palavras de esperança. Do R$ 1,6 bilhão prometido para a reconstrução, no entanto, chegaram cerca de R$ 680 milhões, já que a MP 448 não carimbou as verbas para Santa Catarina e o dinheiro pôde ser usado em outros estados.

Em 12 de dezembro de 2008, num ginásio escolar transformado em abrigo, no Vorstadt, Lula prometeu agilidade na construção de casas para as famílias que ficaram sem teto.

– Já fiquei em abrigo em função de enchentes. É bem melhor ficar na casa da gente – solidarizou-se.

Dois anos depois, 118 famílias se mudaram para apartamentos novos, financiados pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Outras 1.722 continuam na fila. Mais ágil foi a liberação de mais de R$ 1 bilhão em contas do FGTS para os atingidos.

ECONOMIA E PROGRAMAS SOCIAIS

Nas áreas econômica e social, o presidente petista construiu sua maior obra, e o Vale do Itajaí participou dela. Só neste dezembro, 20,5 mil famílias da região receberam o Bolsa-Família, 2,2 mil delas de Blumenau. A renda média do blumenauense cresceu 97,5% desde 2002, conforme estimativa do Instituto de Pesquisas Sociais (IPS) da Furb. De 2003 até novembro passado, 39 mil novos empregos surgiram em Blumenau, segundo o Ministério do Trabalho. Mais 18,7 mil em Itajaí.

O aumento da riqueza do povo e a expansão do crédito explodiram as vendas do comércio, das indústrias e do setor imobiliário. Só o Minha Casa, Minha Vida garantiu R$ 432 milhões para a construção de 7,1 mil moradias no Vale. Nunca se vendeu tanto carro. As indústrias têxteis focaram no mercado interno aquecido e abandonaram as exportações, desaconselhadas pelo dólar baixo. O Brasil e a região enriqueceram.

Para o economista, doutor em Ciências Contábeis e Administração Jorge Eduardo Scarpin, além de manter as bases macroeconômicas do governo Fernando Henrique Cardoso, Lula transformou o principal programa de transferência de renda do país e incentivou setores que geram emprego.

– A grande mudança foi a transformação do benefício do Bolsa-Família de cestas básicas para dinheiro, que movimenta todo o comércio local. Além disso, deu incentivos pesados à construção civil, reduzindo o déficit de habitações e gerando empregos, e expandiu o crédito – analisa.

INFRAESTRUTURA

Em junho de 2009, num evento do Ministério da Pesca, em Itajaí, Lula ouviu cobranças pelo atraso na reconstrução dos berços de atracação do porto, destruídos pela cheia do ano anterior. O governo aplicou R$ 320 milhões na obra. O presidente reclamou da burocracia dos órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas da União (TCU):

– Achei que viria aqui inaugurar o porto.

Só pôde fazê-lo em setembro e outubro deste ano, já em campanha pela eleição de Dilma Rousseff. Na infraestrutura de transportes, o governo Lula deixará marcas menos profundas. A duplicação da BR-470 só começou a andar no segundo mandato. Em janeiro de 2007, o governo federal incluiu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) os 74 quilômetros entre Navegantes e Indaial. A previsão de entrega era 2010. Nem licitada foi. Faltam os projetos executivo e de impacto ambiental, cuja conclusão foi adiada três vezes.

No entorno de Blumenau, duas obras importantes foram levadas adiante, mas permanecem inacabadas: o acesso da Via Expressa à BR-470 e o Viaduto da Mafisa, que ficou sem a passagem ao Bairro Itoupavazinha. O Aeroporto de Navegantes, internacionalizado por Lula em 2004, conquistou uma nova sala de desembarque e o VOR, aparelho para tornar pousos e decolagens mais seguros – em fase de instalação. Enquanto isso, o número de embarques e desembarques cresceu 43% no último ano e a previsão da Infraero é atingir 1 milhão de passageiros em 2011, limite da capacidade.

POPULARIDADE

Obras, mais dinheiro no bolso e a presença frequente não foram suficientes para Lula repetir no Vale a popularidade inédita obtida Brasil afora. Em Blumenau, o presidente foi derrotado por Geraldo Alckmin nos dois turnos da reeleição, em 2006. O mesmo ocorreu com Dilma, este ano, contra José Serra – o tucano obteve quase 30 pontos de vantagem no segundo turno. Para o petista, doutor em Sociologia e professor do mestrado em Desenvolvimento Regional da Furb Valmor Schiochet, a rejeição de Lula no Vale é um fenômeno profundo ligado à cultura política conservadora que tem se manifestado na região.

Lula ainda será lembrado como o responsável pela criação do Parque Nacional Serra do Itajaí, em 2004, e por ter sido o primeiro chefe de Estado a participar do Encontro Econômico Brasil-Alemanha, em 2007. Sem querer, levou a Oktoberfest às páginas do New York Times. A reportagem de 2004 tratava do gosto de Lula por álcool. A foto o flagrava levantando um caneco na antiga Proeb.

O tempo decidirá em quais verbetes da enciclopédia da história estará Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, um fenômeno da era que termina é constatado por seguidores e críticos. Os últimos oito anos aproximaram o Brasil do Vale do Itajaí.

Em 2003, na mais marcante visita à região, o homem que será chamado de ex-presidente dentro de poucas horas desejou oferecer aos rincões brasileiros a qualidade de vida que avistou do palanque em frente à Catedral São Paulo Apóstolo, na XV:

– A gente olha pra cara de uma criança daqui e vê que a mãe comeu bem durante a gravidez, que a avó comeu e que a criança come desde que nasceu.

Desejo ainda distante de ser alcançado, mas bem mais próximo do que quando Lula o desejou.

DAIANE COSTA E EVANDRO DE ASSIS

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