José Serra reclamou novamente ontem, em Recife (PE), da postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em prol de Dilma Rousseff. “”O Lula tem direito de ter candidata. Só que eu acho que ele passou dos limites. Ele deixou de governar para fazer campanha. Ele largou o governo”, disse.
Mais do que um certo desespero de quem está atrás nas pesquisas a poucos dias da eleição, o desabafo tem o poder de revelar o que de fato pode ter saído errado na estratégia montada por Serra e seus conselheiros para chegar à Presidência: eles não contavam com uma participação tão efetiva, direta e entusiasmada de Lula nesta campanha.
Em março, quando Serra ainda estava liderando as pesquisas, tive a oportunidade de conversar com um dos políticos mais próximos de Serra. Ouvi dele o seguinte dignóstico: o candidato e seu entorno estavam convencidos de que Lula manteria na campanha os tais ”limites” aos quais Serra se referiu ontem.
O raciocínio, um tanto ingênuo, dirá o leitor, levava em conta a postura de Fernando Henrique Cardoso na campanha de 2002. Naquela disputa, o então presidente manteve distância regulamentar de seu candidato, no caso, o próprio Serra. É claro que FHC amargava índices baixos de popularidade, a ponto de seu presidenciável ostentar no jingle a frase “é José Serra pra mudar”. Mas FHC poderia sim ter extrapolado os limites de seu cargo para atacar adversários e, principalmente, para colocar toda a máquina do governo em prol do candidato tucano. Não o fez.
É fato também que FHC comprendia o “momento Lula”. Ele achava que a eleição do petista, se assim o eleitor quisesse, seria importante para o desenvolvimento da democracia brasileira. É provável que o cálculo de FHC levasse em conta a possibilidade e a expectativa (torcida, talvez) de tudo dar errado para Lula, o que condenaria o PT a ser um partido de prefeituras, alguns governos e muitas cadeiras em Câmaras municipais. Não foi isso que aconteceu, e Dilma está aí para provar.
Voltando a março, meu interlocutor dizia algo semelhante ao que vai acima sobre o “momento Serra”. “O Lula sabe que agora é a hora do Serra e que ele, Lula, poderá voltar em 2014 ou 2018. O presidente vai trabalhar pela Dilma, a única candidata que lhe sobrou, mas não vai se matar”, analisava o conselheiro do atual presidenciável tucano.
E assim foi feito. Serra começou sua campanha, em abril, sem criticar Lula, sem bater de frente com o presidente e seus 80% de aprovação, segundo as pesquisas. Como um equilibrista, tentava convencer o eleitor de que iria manter o que Lula começara mesmo sem ser o candidato da situação.
A primeira aparição “eleitoral” de Lula na televisão neste ano foi em maio, no programa do PT. De largada, ele não deixou dúvidas de suas intenções ao comparar Dilma com o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela. O tom da campanha seria de exagero e mão pesada.
Mais ou menos três meses depois, com Dilma Rousseff já à frente nas pequisas e Lula totalmente mergulhado na campanha eleitoral, eu conversava com um interlocutor do presidente, dirigente do PT, e o indaguei sobre o tema. “O Lula sabe que, uma vez eleito, o Serra vai trabalhar desde o primeiro até o último dia de mandato para destruir o mito Lula, o legado do PT”, me respondeu ele, que ilustrava o raciocínio com a campanha de 2004 pela Prefeitura de São Paulo. Naquela ocasião, Serra venceu Marta Suplicy, a candidata petista que concorria à reeleição e tinha uma boa aprovação dos paulistanos.
“Assim que tomou posse, a primeira coisa que o Serra fez foi formar uma fila de credores na porta da prefeitura e vistoriar os túneis que a Marta havia feito. Só apontou problemas e pautou toda a mídia”, dizia meu interlocutor petista. Segundo ele, Lula também utilizara esse exemplo, em privado, para engajar ainda mais o PT na campanha de Dilma.
Em setembro, corendo o risco de ficar fora do segundo turno, Serra se lamentou: “Se você pegar qualquer pesquisa e perguntar por que [o eleitor] vota na Dilma, é por causa do Lula. É interessante pegar pesquisas de grupos. Muita gente diz: ‘Que pena que o Lula não apoia o Serra. Porque eu queria mesmo era votar nele. Mas eu voto na candidata do Lula’”, afirmou o tucano ao portal IG.
Agora, na semana final dessa longa e enfastiante caminhada, Serra mirou diretamente Lula ao atacar sua ausência de limites. Talvez seja tarde.
Alberto Bombig
editor da revista ÉPOCA, participa de coberturas das eleições brasileiras desde 1998.
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