terça-feira, 19 de outubro de 2010

Esposa de Serra fez aborto com 4 meses de gravidez

Jacson Almeida
Enviado especial

A esposa do candidato à presidência da república José Serra (PSDB), Sylvia Mônica Allende Serra, já fez um aborto no quarto mês de gravidez. O tucano, que baseou sua campanha numa mobilização contra o aborto, atacando a adversária política Dilma Rousseff (PT) em vários momentos durante o primeiro e o segundo turno das Eleições 2010, agora terá de se explicar para seus eleitores. A corrente tucana também disseminou na internet a história de que Dilma iria legalizar o aborto e viu nos evangélicos – contra o aborto por valores cristãos – uma chance de derrubar a candidata petista. Mas essa posição do PSDB é contrariada por ex-alunas da mulher do candidato à presidência. Uma delas, Sheila Canevacci Ribeiro, que atualmente é coreógrafa e doutoranda, recorda claramente o dia em que a professora Mônica Serra desabafou em sala de aula que abortou um filho de Serra.

Em debate entre os presidenciáveis, realizado na TV Bandeirantes, no dia 10 de outubro, Dilma Rousseff reclamou que a esposa de Serra a acusou de “matar criancinhas”. Fato que não foi negado e nem defendido pelo tucano.

O silêncio do candidato fez com que Sheila colocasse em seu facebook (página de relacionamento na internet) uma reflexão contando que sua ex-professora Mônica Serra teria dito em sala de aula para sua turma de 1992, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que abortou por medo da instabilidade política que se apoderava do país naquela época devido à ditadura militar.

“Achei impressionante que o candidato Serra evita tocar no assunto da descriminalização do aborto, evitando assim falar de saúde pública e de respeitar tantas mulheres, começando pela sua própria mulher. Sim, Mônica Serra já fez um aborto e sou solidária à sua dor”, relata Sheila.

O segredo guardado há décadas pelo casal Serra virou manchetes em todos os jornais do país. Em uma semana o candidato do PSDB passou de ferrenho lutador contra o aborto para um pai que interrompeu a vida de um filho.
O jornal carioca Correio do Brasil – responsável por trazer o caso à tona – conseguiu falar com outra ex-aluna de Mônica Serra, que estava em sala no dia que a professora falou que teria abortado. Ela, que preferiu não se identificar, também confirma o episódio. De acordo com as ex-alunas, havia de oito a dez pessoas dentro de sala quando Mônica Serra desabafou que teria feito aborto.

Depoimentos em várias páginas da internet levantaram a suspeita de que Sheila Canevacci Ribeiro seria um fake (personagem falsa) ou armação do Partido dos Trabalhadores. No entanto, ela deixa explícita sua existência em entrevista à Gazeta de Joinville na sexta-feira (15). “Eu e meu marido sempre colocamos reflexões no nosso facebook. É normal”, diz a coreógrafa.

Entrevista • Sheila Canevacci Ribeiro

O debate
Eu estava na minha casa, sentada, de pijama, assistindo ao debate (no dia 10 de outubro, na TV Bandeirantes). Eu não estava acompanhando nada, nenhuma polêmica. Aí eu ouvi a Dilma falando que a Mônica Serra tinha acusado ela de matar criancinha. E eu me assustei com isso. Pensei: “Ué, que esquisito”. E virei para o meu marido (o antropólogo Massimo) e falei: “Impossível. A Mônica Serra já fez o aborto”.

Silêncio de Serra
Continuei ouvindo o debate e esperei uma resposta do Serra. Como o Serra não falou nada, aquilo ficou na minha cabeça. Pensei assim: “Será que a Mônica Serra falou isso?”. Seria impossível a Mônica Serra falar isso porque ela foi uma vítima da Ditadura Militar que teve, por motivo disso, fazer um aborto. Coisa que ela disse numa classe de aula, numa universidade pública. Aquilo ficou na minha cabeça por causa da não resposta, não posicionamento do Serra.

Facebook
Eu escrevi uma reflexão no meu facebook. Pensando o seguinte: se uma pessoa foi vítima de uma circunstância e foi levada a fazer um aborto, como é que essa pessoa pode ser uma militante fervorosa contra a descriminalização do aborto? Porque isso significaria para mim que aquela pessoa está se incriminando. Se eu falo “o aborto é crime” e eu fiz um aborto, mesmo numa circunstância horrorosa, que é o caso da maioria das pessoas que tem que fazer o aborto, como eu posso querer que isso seja crime?

Comparação
Imagine você estar na sua casa, assistindo televisão, você ouve alguém falando para a mulher do Nelson Mandela que o Nelson Mandela (lutou contra o racismo) é racista. E aí a mulher do Nelson Mandela não fala nada. Eu, na minha casa, como uma cidadã normal vou falar assim: “que estranho”.

Arrependimento
Sabe que eu não saberia responder. Mas, espontaneamente, vou dizer que não me arrependi pelo seguinte: foi aberto um discurso sobre a questão do aborto. O aborto tem que ser discutido. Porque no estado brasileiro é crime. E eu não acho isso correto. O outro lado é as eleições. Será que eu me arrependo? Não sei se me arrependo. Acho que também não. A única coisa que eu não gosto mesmo, que me dá uma dorzinha, que eu fico triste, é em relação à Mônica Serra como pessoa.

Apoio
Pessoas religiosas mandaram mensagens para mim dizendo que são contra o aborto, mas elogiando minha atitude porque não estão gostando do jeito que a Mônica Serra está usando a religiosidade em prol de uma coisa eleitoreira.

Mônica Serra
Eu respeito a Mônica Serra, assim como respeito todos os meus professores, e adorei que ela compartilhou essa humanidade dela na aula. Porque eu acho que a beleza da universidade é falar de filho, é falar de psicologia, é falar de sorvete. É também falar de coisas tristes de sua vida pessoal, de aborto. Porém, a Mônica Serra não é a mulher do jornalista, do padeiro. Ela não é somente uma professora que falou numa sala de aula uma coisa. Ela é a mulher de um candidato à presidência da república. E o que ela fala e faz conta.

Culpa do Serra
O problema em relação a esse “bafafá” todo, se tem uma pessoa que causou isso, essa pessoa é o José Serra. Porque se ele não tivesse silenciado, não teria acontecido isso.

Medo?
Um jornalista pediu para me proteger. Por quê? Eu não tenho que me proteger.

Revolta dos tucanos
As pessoas, num primeiro momento, ficaram muito reativas. Escreveram mensagens no facebook para mim muito agressivas, muito violentas. Não sou acostumada a viver na violência. Também eu não trabalho com jornalismo, eu não trabalho com política. Eu fiquei muito assustada. Muito mesmo.

Sinceridade
Agora, nesse segundo momento, que as pessoas estão percebendo que eu existo, que eu não sou armação de nada, as pessoas estão assustadas com a minha sinceridade. Essa é a coisa mais interessante que está acontecendo. Estou acostumada que as pessoas conversem sobre as coisas. Sem ficar criticando, acusando.

Ditadura e PSDB
As pessoas ficam falando assim: “o pessoal do PSDB vai te matar”. “Por que eles vão me matar?”. “Porque você acabou com ele”. “Eu não acabei com ninguém. Eu dei um depoimento de pessoa cidadã, de um debate”. Estão falando que vão me matar, que eu vou desaparecer, que eu vou ser torturada. Pelo que eu saiba estes são os parâmetros da ditadura militar.

Eleitora da Dilma
As pessoas acham que eu sou do PT. Eu sou uma eleitora da Dilma e eu acho que não há problema nenhum falar que sou eleitora da Dilma. Porque os brasileiros, na democracia, têm dois turnos. Tem o primeiro turno com vários candidatos e no segundo turno três opções: Dilma, nulo e Serra. É simples assim.

Colegas de turma
Uma delas que mora em Brasília deu o relato para o Gilberto (do jornal Correio do Brasil), para a segunda matéria. Ela não quis se identificar porque ela tem medo. Eu conversei com ela no facebook também.

Resposta de Serra
Eu não obtive uma resposta do José Serra. Se o José Serra for eleito, eu gostaria de ter um presidente que me responda as coisas. Meu único problema, como brasileira, é esse, não é outro.

Nenhum comentário: